terça-feira, abril 11, 2006


Ned gosta de atirar nas pessoas. Não por esporte ou por problemas patológicos ou por raiva da sociedade. Por diversão. É como um evento para ele. Uma vez a cada seis meses ele arma seu rifle de longa distância na janela de um dos seus cinco apartamentos de cobertura, rosqueia o silenciador ao som de Chopin, senta-se confortável na cadeira e passa até cinco horas escolhendo alguém para aparecer no jornal do dia seguinte. Sem padrão, sem motivo e sem deixar nenhum tipo de pista para ser seguida. Várias vezes a causa da morte é atribuida a uma bala perdida, mas Ned não se importa: o que conta é a adrenalina de um disparo perfeito.

Não, ele não tem trauma de guerra. Não foi para o Golfo ou para o Vietnam. Não tente julgá-lo pois você não o conhece. Ele não é louco nem perturbado. Na verdade ele se vê como um aventureiro, pois aquilo trás para ele uma emoção, uma sensação de liberdade que ele jamais conseguiu saborear em outra coisa. E acredite, com seu salário de neuro-cirurgião, Ned já fez de tudo um pouco. Mas nada traz a sensação de estar mais próximo de Deus, de ser Deus. De salvar diversas vidas no hospital durante meses e então levar um par delas por ano. Claro, sem nunca se repetir: um negro rico, um branco pobre, uma criança ruiva, uma secretária, um executivo de alto-escalão. Hoje foi um padre.

Johnathan Stezzi. Servo de Deus por diversos anos. Católico. Culto. Um homem de impecável caráter e dignidade indiscutível. Irmão de Vittorio Stezzi, comerciante que ganhou grande influência quando se casou com Angelica Tornelli, filha de Don Tornelli, um dos mais respeitados chefes de família de Nova York.

Um pedido simples então dá início à prática investigação forense italiana, que pergunta para as pessoas certas, espanca as duvidosas e deleta as erradas. Miguel Roja, também chamado pelo óbvio apelido de Miguelito, irmão do primo de um amigo íntimo do cara da padaria cujo primo foi severamente indagado pelos Tornelli, de vez em quando tem insônia e sai para a sacada para fumar bem de madrugada. Ele não tem certeza, mas acha que ouviu sim o barulho de um disparo silenciado sendo executado da janela de seu vizinho. Mas ele não tem certeza, pois o apartamento vive vazio. Ninguém entra ali por meses. Raramente ele viu alguém entrar para praticar música clássica, carregando a grande maleta do teclado eletrônico.

Três amigos da família entram então no apartamento que vive vazio. Não encontram nada. Nenhuma pista. Nem um fio de cabelo perdido. Sendo assim eles fazem o que é necessário. Dois deles vão embora, um deles fica esperando sua bagagem. Senta no sofá aconchegante, liga o televisor de plasma no seu seriado favorito, coloca os pés na mesinha de centro, acomoda a Beretta ao seu lado e espera, talvez por mais de um ano, uma visita inesperada que, quando chegar, vai ter uma noite muito longa. Muito. Muito longa.

Um comentário:

Lady disse...
Este comentário foi removido pelo autor.