quarta-feira, fevereiro 20, 2008


Olá pessoas. Como diria o diabo na música "Sympathy for the Devil", por favor deixem que eu me apresente: meu nome é Vincent DeLorean. Por mais francês que pareça, o sobrenome é falado como se lê mesmo. Delórean. Como o carro do "De Volta para o Futuro". Tenho 34 anos, sou de altura mediana, cerca de 1,75m, sou magro, adoro ternos e roupas sociais, sou eloquente o suficiente, apaixonado por um vocabulário decente e principalmente por uma boa balada, uma boa música, gastar dinheiro e viver a vida noturna. Mas acho que minha principal característica é que eu não sou exatamente uma pessoa. Não sei direito como explicar, afinal eu vim ao mundo de repente.

Claro, tudo quanto é neném pelado vem ao mundo de repente, mas a diferença é que do mesmo lugar que a maioria deles sai, eu adoro entrar. Não! Nada de ninfomaníaco ou coisa parecida. Eu adoro romance. Sou um dos últimos românticos da terra, pelo que sei, e gosto muito de conversar e ter a companhia deliciosa de uma mulher. Não que eu não seja um cretino, até sou, mas sou um cretino romântico. Há quem diga que nem mesmo um cretino eu sou, pois não costumo mentir. Não sou fã de relacionamentos de longa data pois eu sei, por fato, que estes não funcionam como deveriam. Pelo menos não por muito tempo. Ok, seus avós estão casados até hoje. Não é sobre isso que eu estou falando. É que eu preso exatamente a principal alegoria humana que é limada quando se tem um relacionamento longo: liberdade espontânea. Eu faço o que eu quero, a hora que eu quero. E a maioria das mulheres não aceita isso. Elas têm todo o direito, claro, assim como eu tenho o direito de permanecer solteiro. Mas chega de devaneios. Eu queria chegar no ponto de tentar explicar o que eu sou. Eu sou fruto de um coração partido, somado a uma boa quantidade de dinheiro e um desejo revolto de sufocar o pudor imposto socialmente sobre uma pessoa plausível. Eu sou um alter-ego.

Nasci em meio a lágrimas e dor. Triste. Foi horrível. Quando eu estiver sóbrio eu conto. Resumindo, depois de um relacionamento milenar de oito anos, quando um cara se cansa de chorar ele tem algumas opções: cortar os pulsos, dizer que tudo é passado e voltar pra vidinha mundana, guardando aquela dor em algum lugar fundo ou pirar. No meu caso, agradeço por ele ter pirado, pois senão eu não existiria. E assim, lá fui eu viver a vida noturna de São Paulo pela primeira vez em muito tempo, desde a época que eu era apenas uma idéia dormente numa cabecinha meio oca. Achei que não ia ter sucesso algum nesta infeliz empreitada, mas quando eu descobri que eu tinha algo que a enorme maioria dos homens hoje não tem (cérebro), reparei que as mulheres ainda se interessam por aqueles homens com estilo e inteligência. Sendo assim, sob diversas doses de uísque, música anos 80 e vestindo sempre um bom terno, eu passei a vagar pelas noites paulistanas sem propósito definido, sem culpa, sem dor, sem ninguém pra me dizer não.

E o que eu tenho feito, então, desde que passei a existir? Exatamente o que eu falei: gastado dinheiro, bebido muito, conhecido incontáveis pessoas, matado a vontade de ter um bom beijo e vivido as situações mais surreais que a vida real pode proporcionar. Reitero então, muito prazer, meu nome é Vincent. Eu sou um porra-louca.
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Do livro: "A Vida de Vincent", por Julien De Lucca

Eu abri os olhos e respirei fundo. Segurei o ar nos meus pulmões o máximo que pude aguentar. Senti aquele arrepio galgando minha espinha quando lembrei do homem bruto dormindo do meu lado. As imagens de flashback jorraram dentro da minha cabeça. Óbviamente bêbada, eu bati na mesa e levantei gritando para as minhas amigas que queria mesmo um homem rústico, forte, alto e com cara de mau. Devia ter gritado mais baixo. Um cara me agarrou pela cintura, enfiou a língua na minha boca e me beijou como um neandertal tarado. Passou pela minha cabeça afastá-lo e perguntar "Que que é isso?!" mas ele poderia gritar que isso era Esparta e me enfiar o pé no peito, então simplesmente retribuí da mesma forma e ataquei ele selvagemente. Eu estava precisando disso, sabe, de sentir a pegada mesmo. Sentir um braço forte me segurando. Não que eu não goste de romance, eu adoro, mas ultimamente todo homem que se encontra em balada é ou frouxo ou idiota. Esse negócio de mandar um amigo falar pra mim que um amigo dele gostou do que viu me embrulha o estomago. Parece que os homens de hoje perderam a masculinidade propriamente dita e trocaram ela pela chave de um carro caro ou uma carteira da Victor Hugo. Mas enfim...

Uma coisa óbviamente levou a outra e eu topei "emendar" a noite. "Ah, mas isso é coisa de vadia." Foda-se. Também não suporto mulheres que se agarram aos conceitos sociais da "moça-de-familia". Fala sério. Estamos em 2008 não em 1950. Se eu tenho vontade de dar eu dou mesmo pra quem eu quero. Melhor do que ficar reprimindo tudo e acabar sendo uma perturbada de coração partido chorando por dias quando descobrir que o príncipe encantado se encantou por outra que fazia o que eu faço. Mas voltando...

E foi muito bom. Posso poupar-lhes dos detalhes sórdidos, creio eu. Foi ótimo na verdade. Porém, partindo do fato que ele era meio feinho, vocês podem entender a sensação de acordar sóbria e com dor de cabeça num quarto de motel do lado de alguém que você não lembra o nome. E do jeito que ele era, errar o nome não seria muito salutar. Então fiz o que qualquer pessoa em sã consciência faria: tentei dar o fora. Levantei sorrateira da cama e peguei as minhas roupas no chão. Ele tinha pego um motel caro, elegante, cheio de dependências... que merda! Onde é a porra da porta de saída? Agarrada com meu tubinho preto básico e segurando os sapatos na outra mão, consegui pelo menos achar o banheiro. Coloquei a roupa em menos tempo do que meu pai levaria para perguntar: "Sabe que horas são, menina?!?". Dei aquele tapa no cabelo, peguei os malditos scarpins e voltei para o quarto. A cama estava vazia.

Então, a batida inicial da "Oh My Lover" da PJ Harvey começa a ecoar pelo quarto. Escuto o barulho da hidro a céu aberto começar a funcionar. Um braço me agarra pelo ombro e me puxa contra um tórax que parecia um paredão de concreto. Uma boca me beija a nuca e incontrolávelmente meus olhos se fecham e eu sinto parte da minha voz vazar pra fora da boca. Meus sapatos caem no chão quando minha mão os deixa contra a gravidade e vai sozinha para trás, agarrá-lo pelo cabelo.

Casamos em dezembro.
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Written by: Verônica Prata