quarta-feira, outubro 27, 2010


Eu considerei o fato de você ser completamente fora do meu padrão, assim, você sabe, não é possível, que você é linda. Talvez não linda como as modelos falsas de capa de revista, aquelas cuja dica de beleza é um banho de água mineral, batom Revlon, peeling, rímel importado e photoshop. Você é linda pelo seu sorriso ridículo, pelo jeito que você ainda fica vermelha quando o assunto é sexo (mesmo você tendo quase 30 anos na cara), pela tossida suave e franzir as sombrancelhas no primeiro gole de uísque. Não vou nem comentar sobre o jeito que você engrossa a voz e diz 'pára com isso' quando eu corro as unhas na base das suas costas. Quero morder você, ali mesmo. Enfim, eu considerei tudo isso quando fui falar com você e por mais que você ache mesmo que eu seja super extrovertido, eu estava morrendo de medo. Achava você demais pra mim. Mas eu fui lá falei o que eu sentia e o que eu sonhava. Não era um xaveco barato, não era uma linha de entrada, não era querer trepar no fim de semana. Era você e se não fosse você não seria mais ninguém. Eu não queria um relacionamento sério no primeiro beijo, mas também não queria um one night stand.

Então, sendo que você foi, sem sombra de dúvida, a razão de um dos meses mais bacanas da minha vida, eu tenho que me perguntar como caralho, e reitero, como CARALHO você foi tão filha da puta? Certamente não foi pela falta de dinheiro, pois toda santa vez que a gente saiu você nem olhou pra sua carteira. Com certeza também não foi pela falta de carinho pois eu fui aquele imbecil que fazia o que você queria (por prazer e não pau-mandaísmo), escolhia a pipoca que você gostava pra acompanhar o filminho no sofá de sábado. Creio eu que não foi pela falta de sexo ou mesmo por performance, pois, ou você é uma tremenda mentirosa e atriz digna de oscar, ou uma tremenda tapada por não me dizer o que e aonde você queria. Talvez você realmente nunca esteve livre do que sentia pelo seu ex, aquele bastardo sem mãe (que ele pegue gonorréia e passe pra você) e me usou como um rebound fuck ou ainda você seja tão fucked up da cabeça que prefere um cara que só te chute e te trate como a vagabunda que você prefere ser (o que na verdade agora já to quase concordando com ele). Sério. Você não deve ter tido colo quando criança.

E o que mais me irrita não é o fato de você ter voltado com o próprio Füher da sua (extensa) carreira de namorados nem o fato de você ter me deixado da forma mais escrota possível (mensagem de texto) ou menos ainda descobrir depois de duas semanas que você literalmente deu pra ele na última semana ainda comigo. O que me irrita é que eu ainda não esqueci de você e ainda tenho essa saudade maldita da sua boca envolvendo a minha como naquela noite de chuva, seus braços em volta do meu pescoço, sua gargalhada espontânea, a sensação clara de estar com a pessoa que eu amo e saber que eu poderia morrer no seu colo que eu morreria feliz. Eu me pergunto nas noites solitárias o que eu fiz de errado com você e o que eu poderia ter feito de diferente. Será que eu devia ter te tratado mal? Será que eu devia ter te machucado? Será que eu devia ter deixado 200 paus na cabeceira toda vez que saí do quarto?

Mas depois de toda essa indagação, depois de tentar descobrir o que deu errado, a resposta é sempre a mesma.

Porque eu amei você mais do que amava a mim mesmo.

E o Catedral que se foda.

quinta-feira, setembro 09, 2010


Ele a conheceu num momento em que sua vida estava estática. Trabalho entediante, namorada entediante, apenas um par de pessoas sériamente perturbadas para chamar de amigos. Ela tinha o rosto de um anjo. Uma voz que fazia Schubert parecer um zumbido irritante. Seu sorriso cortava o ar de todos à sua volta. Seu corpo, uma obra prima natural da criação.

Eles começaram a sair juntos, apenas para conversar. Ele mergulhava em seus olhos enquanto ela falava, perdido em pensamentos indiscretos. Ela não se importava. Talvez ela soubesse o efeito que sua presença causava nele, mas isso a fazia se sentir protegida. Guiada. O primeiro beijo foi etéreo. A sensação elétrica de duas almas feitas uma para a outra, se encontrando finalmente no mundo caótico onde vivem. Ele se separou para ficar com ela. Ele foi feliz por meses, adorando-a cada minuto. Até conhecer uma outra mulher.

Ele saiu as escondidas com esta outra, encontros ardentes em motéis afastados, por mais de um ano. Mas nunca deixou a garota que tanto amava. Nunca contou a verdade, também. O cortejo e a proibição tornavam seu affair irresitível à sua natureza romântica. Ele precisava daquilo. Era mais forte do que ele. Amor nunca lhe fora suficiente. Ambas capturaram seu olhar de formas diferentes, mas tão intensas, tão irrefreáveis. Algo devia ser feito. Ele tinha de contar a verdade.

Hoje, sozinho por mais de quarenta e três anos e beirando a sanidade, ele se encolhe em uma cadeira da casa para idosos onde vive, balbuciando seus nomes como um mantra religioso. Chora aos soluços quando vê uma jovem passar pela rua, observando-a pela janela do quarto, arranhando o vidro embaçado com sua respiração ofegante. Lembranças insólitas de amores incompreensíveis, regadas pela culpa de amar demais. Arrasado pela honestidade sincera que o separou de ambas suas figuras imaculadas.

Quando entrei em seu quarto ele me perguntou, limpando as lágrimas do rosto:
-Você acha que só temos direito a um grande amor em nossas vidas?

E eu disse da forma mais sóbria que pude encontrar, para fazê-lo entender sobre a diversidade social como um todo:
-Não sei, senhor. Eu só trabalho aqui.

quinta-feira, julho 15, 2010


Eu não tenho falado muita coisa pois acho que meu pai me ensinou o orgulho antes de me ensinar a ser humano. Mas eu gostaria que você soubesse que eu entendo. Que eu estou aqui. Que eu ainda sou eu.

Quando eu saio pra jogar com os meus amigos e você não fala nada, quando você encontra umas unhas do pé perdidas no tapete do banheiro e não reclama, quando eu durmo no cinema assistindo Sex and the City e fico de mal humor por não ter assistido o Ninja Assassino 4 e mesmo assim você pergunta o que eu quero jantar, quando eu mal te beijo antes de ir trabalhar ou volto estressado e você me abraça sem retorno, quando eu compro aquele treco de tecnologia por centenas de reais e uso uma semana mas reclamo de você pagar um quinto do preço num par de sapatos e você deixa eles na prateleira em silêncio, quando eu me irrito com a espera da porra dum restaurante no dia dos namorados e você só queria ficar do meu lado no boteco da esquina, eu gostaria de dizer que eu TAMBÉM te amo.

Eu também percebo. Eu também sei que eu deveria agir de uma outra forma. Eu também sinto saudade. Eu também queria ser mais homem para corrigir meus erros, sem saber como corrigi-los. Eu queria que você soubesse que eu sinto muito, as vezes.

Pelas vezes que eu esqueci uma data importante, mesmo que ela fosse mais uma jogada de marketing pra vender mais tranqueiras, que eu sai pela porta esbravejando, que eu disse que tinha sido só umas cervejas, que eu jurei que achava que era mais cedo, que eu fechei a cara pois já estava esperando há meia hora, que eu não amoleci com seu sorriso, que eu não te beijei pra você aprender a não discutir comigo, que eu não entendi as coisas que você gostava, que eu não fui pra balada com você por não gostar da música, que eu não estive do seu lado por achar frescura, que eu não sai mais cedo do trabalho pra ficar mais cedo do seu lado, que eu fiquei no computador até tarde, que eu fui um cretino ao invés de ser o cretino, que eu inventei uma desculpa pra sair sozinho, que eu menti com quem que eu estava, que eu não soube te segurar como você esperava, eu gostaria de dizer que eu SINTO MUITO mesmo. Me desculpa.

E é pela absoluta falta de resolução em dezenas de coisas na minha vida que eu olho em volta e vejo a única delas que está resolvida: eu amo você. Ponto.

segunda-feira, maio 31, 2010


Eu saio do Shopping Paulista com três sacolas de coisas que eu comprei por nenhuma razão aparente, só para me sentir menos revoltada com a vida, mesmo sabendo que a fatura do cartão no mês que vem vai ser uma foda mal dada, tentando equilibrar a sensação de querer matar todo mundo até descer pra mim, quando, óbvio, dou de cara com ele. O puto estava de tênis claro, calça jeans clara que eu dei pra ele e uma camisa branca jogada no corpo, do jeito que eu amo de paixão, com aquela cara alegre, como se ele fosse o único filho-da-puta feliz no mundo.

-Ei! Nossa, tudo bom? - pergunta ele, em genuíno espanto, abrindo aquele sorriso torto dele, iluminando tudo num raio de três metros. Que ódio. Eu queria largar as sacolas e colocar minha língua na boca daquele maldito.

-Oi! Que surpresa. Tudo bem? - respondi sorrindo - O que anda fazendo de bom?

-Nada de novidade. Trabalhando, pagando o aluguel, saindo muito pouco. Curtindo mais ficar em casa.

Maldito. Ele fala isso só pra me fazer me sentir uma vagabunda por ter arrumado um outro namorado três meses depois de a gente ter se separado. Mas o que ele queria que eu fizesse? Ficasse sozinha? Claro que não vou fazer a vontade dele. A última coisa que eu precisava era que ele arrumasse uma piranhazinha qualquer e eu fosse obrigada a ver os dois de carinho pra lá, beijinho pra cá.

-Ah, imagino. Eu também. As coisas estão muito bacanas. Fui promovida. E... enfim. Está tudo bem.

-Que gostoso. Fico feliz em saber que você está bem. E pelo visto ganhando bem também - e ele dá uma risadinha deliciosa, como se estivesse me provocando. Ele sabe. É claro que ele sabe que eu compro coisas quando to me sentindo uma merda. Ele tem que saber. Apesar que se ele tiver o mesmo déficit de atenção que tinha antes é capaz que não saiba mesmo. Cacete, eu devia ter tido mais paciência. Não devia ter terminado com ele por besteira. Quer saber? Devia sim! Eu mereço um cara que me dê atenção full-time. Ele só podia ser menos charmoso nessa simplicidade arrogante, que ódio. Por que ele sorri desse jeito e trata a vida como se fosse uma brincadeira? Não. Eu preciso de um homem, sério, que me leve a sério, que queira crescer junto comigo, não um garoto super engraçado e charmoso e que cada vez que sorri eu quero morrer no colo dele.

-Sim, he he he. - dou uma risada sem graça, enquanto sinto meu coração querer vazar pela boca. - Vamos inclusive viajar para a Califórnia em outubro.

-Ah, que bacana. Eu quero muito conhecer a Califórnia, você lembra. Pena que não sou eu do seu lado. Mas, é a vida. Tenho certeza que vocês vão se divertir bastante.

E por que raios ele sorri? Ele tinha que estar todo meloso, pedindo desculpas! Não falando que queria que eu me divertisse! Saco! Por que diabos ele é tão complacente!? Por que diabos ele não me agarra pela cintura, me beija daquele jeito e briga por mim?! Tá vendo por que eu me separei dele? Ele não luta pelo que ele quer! E fica insinuando que queria estar comigo mas a primeira surtadinha que eu dou ele é complacente? Poxa, dá na minha cara e manda eu parar quieta! Quer saber? Se eu estou com outro cara, mesmo que não seja metade dele, é por que ELE deixou que eu fosse. É por que ele não soube me manter. Estou bem. Posso não estar acordando todo dia com esse sorriso maldito mas estou bem. É a vida mesmo, seu infeliz.

-Eu lembro sim. Mas não se preocupe, você vai um dia com alguém especial.

-Eu não me preocupo, pode ter certeza. Mas não tenho pressa. Afinal, ainda preciso conhecer essa pessoa especial.

Ahhhh, você está de brincadeira comigo que ele vem falar que "ainda precisa conhecer essa pessoa"! E eu então não fui especial na sua vida, cretino? É isso que ele tá insinuando? Não é a toa. Quer saber? Melhor decisão da minha vida terminar com ele. Eu falo que ele ainda vai conhecer alguém especial e ele me fala algo diferente de "você é minha pessoa especial" ele merece ficar sozinho mesmo. Solteiro. Saindo com qualquer vagabunda de fim de semana só pra não ficar mofando em casa. Quer saber? Chega.

-Espero que você esteja bem mesmo, Caco. Mas eu tenho que ir agora. Atrasadérrima.

-Ok, foi bom te ver. Bom saber que você está bem. Beijo.

Impossível. Ninguém pode ser tão apático. Eu chamo ele pelo nome carinhoso que eu chamava e ele não esboça nenhuma reação? Que diabo é esse? É isso mesmo! Fiz certo em terminar com ele. Falo que estou atrasada e ele não vem com nenhuma desculpa para tentar me manter alí, percebem? Ele não saca as coisas que eu quero. Nunca sacou. Ou talvez ele saiba que eu esteja indo para casa ficar sozinha esperando paciente o outro infeliz chegar com aquela cara de "nossa, trabalhei demais hoje". Não. Ele não sabe. Ele não é para mim. Ele se foi e passado é passado. A única coisa que realmente me incomoda, que me tira do sério é essa vontade de chorar que eu não sei da onde veio.

Written by: Verônica Prata

sexta-feira, maio 14, 2010


Observar é bom.

Observo o mundo passar. As pessoas viverem ao meu redor. As rotinas, os trabalhos, os romances, a vida em si. Tudo encaixado num padrão civilizado, construído há tanto tempo. Observo o normal. Ainda assim, tenho a sensação, o alucínio, talvez, de que algo está errado. Na minha cabeça não faz sentido esta normalidade, esta aceitação de que tudo está OK. Basta ligar a televisão, ouvir o rádio, abrir o jornal, dar bom dia para um desconhecido que eu percebo isto. Algo está errado. Algo que eu não sei o que é. Algo que vive por trás do olhar inocente da sociedade moderna. Uma corrupção latente. Uma raiva incógnita no fundo da respiração. Como se todos ignorassem por completo o fato estampado de que o mundo não é legal. De que as pessoas não são decentes. Vejo isso todo dia. Em todo mundo. Pessoas ignorantes ao mal que elas mesmas criaram, que elas mesmas ignoram. Meu sangue ferve com o mesmo ódio impuro quando vejo o quão estúpidas as pessoas são, o quanto elas sorvem com gosto o mal que as cercam e fingem que está tudo bem, que isso é normal. As piadas sobre padres pedófilos, os desejos de tortura para com o estuprador, a sede de vingança do injustiçado, a vontade pervertida do tímido, o olhar de desespero da dona de casa. Mas não precisa se preocupar. Isso é normal.

Normal é bom.

Ninguém quer ser isolado. Todos precisam pertencer a um grupo. Lamber as etiquetas. Ser diferente para ser igual. Para ter o assunto, para ter a mulher, para ter amigos, para ter vontade. Para ter vida, ser normal é a única coisa necessária, mesmo que isso destrua cada pedaço de quem você é de verdade: este serzinho egoísta e imundo criado pela máquina humana. Este torcedor fanático que desde um ano de idade já foi travestido de palhaço pelo pai, este empregado mediano que vendeu os sonhos por dinheiro, este amante meia-boca que não suporta a esposa mas morre de medo de definhar sozinho num quarto bege de hospital, esta pessoa imbecil refletida no espelho embaçado do banheiro. Você não presta e você sabe disso. Você mente para si mesmo todo santo dia quando levanta de manhã usando a desculpa porca que é isso que todo mundo faz. Sabendo que seus valores e códigos morais iriam para a casa do caralho se você passasse fome, se ameaçassem sua cria, se te acuassem num canto escuro. Você mente, mas não precisa se preocupar. Todo mundo mente.

Mentir é bom.

Você não pode dizer para as pessoas o que realmente pensa delas se quiser continuar vivendo em grupo, afinal. Todo mundo mente. Mentir é sociável. Assim como cobiçar a mulher do próximo, roubar, matar e se divertir com violência na televisão. Alugar secretamente aquele filme de fetiche onde a garota apanha, sofre e é humilhada para o bel prazer de três caras fingindo serem sádicos. Satisfazer sua curiosidade mórbida sem assumir para o mundo que a única diferença entre você e um certo Josef Mengele é que ele foi pago para experimentar. Fingir fechar os olhos ao assistir na internet o vídeo daquele piloto se estraçalhando num acidente de carro. O soldado ter a cabeça decepada por uma facção islâmica. A pop-star mexendo a bunda na frente da câmera e dizer que ela é gorda para mascarar sua vontade incoerente de foder cada centímetro dela. Tentando esquecer todas as vezes que você pensou em fazer algo que sua cabecinha doente queria, mas foi negada simplesmente por imaginar as consequências. Medo do que ia acontecer com você, não honra ou amor pelo alheio. Medo. Medo do que o resto dessa espécie falha faria com o indivíduo diferente. Cuspir no olho social não é bom, mas certamente é necessário. Então vamos lá. Vamos matar alguém, vamos destruir algo lindo, vamos ceder abertamente à luxúria. Deixar a vida mais interessante. E eu não vou contar para ninguém, não precisa se preocupar. Afinal, eu sou um de vocês hipócritas.

Hipocrisia é bom.

quarta-feira, março 17, 2010


Já eram mais de uma da manhã quando ela resolve parar para ver uma vitrine. Nem lembro qual loja era. Disse qualquer coisa com as palavras "cerveja" e "duas" na mesma frase, fazendo o gesto corriqueiro com a mão, gritando um "opa!" e se equilibrando de volta em cima do salto. Eu fiz sinal com a cabeça e entrei na primeira porta acesa que vi, na esperança embaçada de comprar mais duas latas. Porra, terça feira e a mulher me fazia beber daquele jeito. Tirei 20 paus da carteira e pedi um par de alegrias momentâneas envoltas em alumínio, que contribuiríam certamente para meu desejo de eutanásia no dia seguinte. O truculento barman daquela pocilga medieval codinomeada padaria na Rua Augusta pegou meu dinheiro como se fosse um cafetão decepcionado com meu rendimento diário. Nem prestei atenção nos tipos mais do que esquisitos ao meu redor, pois primeiro eu estava bêbado, segundo eu estava admirando o pôster-calendário da Rita Cadillac, datado de 1986, pregado no azulejo azul-gordura da parede e terceiro pois eu tenho ciência que aquela rua é mesmo um para-raio de gente estranha. Porém, fui acometido pela repentina urgência causada pela ingestão de dois litros de cerveja e me senti na obrigação de perguntar para o peludo chapeiro de regata que fritava um ovo cabeludo na placa tórrida de aço coberto de especiarias indiscerníveis, que ele chamava de local de trabalho, onde era o banheiro. Ele apontou para os fundos de tal masmorra com a própria espátula, num movimento rude e veloz. Lembrei de Sir Isaac Newton quando pela Lei da Inércia um resto de ovo picado escorregou de tal instrumento de direção e fez sua trajetória parabólica, porém invisível, até o prato de um pobre descuidado, que escrevia em seu celular uma mensagem de texto, aterrisando harmonicamente entre o hambúrguer e um pedaço de batata frita.

No cubículo apertado, baixei o zíper cuidadosamente, pegando aquilo que encntrei na cueca com cuidado e puxando para fora somente os mínimos centímetros necessários para não sofrer da necessidade de trocar de meias, chocado em silêncio desgostoso pela falta de higiene do ambiente. Enquanto meu corpo produzia o arco líquido que atingia a medonha pasta escura dentro do vaso, eu tinha os olhos acorrentados a um par de insetos marrons grandes que discutiam a relação numa fresta da janela opaca, sentindo o pulmão começar a doer por segurar o oxigênio preso em si por tanto tempo. Soltei o ar devagar, amaldiçoando a quantidade de cerveja ingerida, pois eu iria ter de respirar mais cedo do que eu desejava, ou melhor, do que seria salutar para minha integridade física. Felizmente, uma distinta garota que trajava apenas um trio de peças de roupa em toda a extensão de seu corpo tatuado, fez-me recordar que eu não havia trancado a porta, abrindo-a com convicção. A lufada de ar gerada por tal afronta à privacidade desamparada, permitiu que eu respirasse fundo uma vez mais, meneando a cabeça para o lado, logo em seguida, tentando em gesto mudo explicar para tal invasora que o banheiro estava ocupado. Ela fez um gesto confortável de desdém impaciente, ao fechar a porta de sopetão, murmurando palavras que se assemelhavam à um advérbio de intensidade muito comum e ao alvo de minha incontingência urinária. Então possuidor de mais alguns preciosos segundos de oxigênio, teria me demorado mais para apreciar a completa desenvoltura de minha vontade fisiológica, caso não tivesse voltado o olhar para a janela e reparado em pânico doméstico, que o casal de tijolos voadores não estava mais na beirada da janela. A expressão masculina "não adianta chacoalhar que o último pingo é da cueca" fez-se literal em demasia, devido ao súbito movimento de "aperta-balança-guarda" que a seguiu. Retornei ao balcão de tal espelunca, zigue-zagueando pelas pessoas que sorriam ao admirarem minha camisa branca de micro-fibra gentilmente se expondo através da braguilha aberta de minhas calças pretas. Corrigi tal engano fashion ao mesmo tempo que agarrei as latas com uma mão só e peguei os dez reais de troco que o halterofilístico atendente se dispôs a me entregar.

Mas foi só quando eu coloquei os pés na calçada que eu percebi a tamanha asneira vitalícia que eu estava fazendo. Ao correr os olhos pela beldade imprevista sentada na calçada, esperando entediada sua latinha de cerveja, em plena semana de trabalho, sendo uma porra-louca impulsiva e espontânea como nunca fora. Afinal, nos conhecemos casualmente há tanto tempo, esta era apenas a primeira vez que saíamos juntos, vai saber por quê. Eu não tinha certeza que eu queria ela para mim, correndo meu pensamento em quando eu iria dizer para ela que só desejava uma noite casual, mas que jamais idealizaria ferir seus sentimentos. Fui interrompido no meio de uma frase auto-explicativa por uma boca maculada de cigarros de menta, presa a um corpo que agarrava meu casaco para se levantar. Desgrudou os lábios umedecidos dos meus, arrancou à força uma lata gélida da minha mão, abriu-a com vontade, descascando o esmalte escuro das unhas, virou um demorado gole garganta à baixo e me disse baixinho: "Dorme comigo hoje."

Eu dormi. Eu durmo. Eu dormirei.

segunda-feira, janeiro 11, 2010


Não sei se pelo silêncio da madrugada ou pelo simples fato de respirar a vontade incandes... incandecen... incandesçen... a vontade que queima dentro de mim que eu... quer saber? Feliz 2010.

2009 passou. Passou. Deixo de lado os verborrágicos verbetes de relacionamentos passados - ou mal passados - e sou eu mesmo. Digo para o mundo que a só escrevo de madrugada pois - provavelmente - estou bêbado e queria fazer mais coisas do que o mundo deixa. Afirmo ao mundo que nos cerca que ele é sujo mas mesmo assim eu gosto dele. Aponto para aquela pessoa que ainda não sabe o que fazer e digo "Vai se foder!" com todas as palavras muito bem articuladas. Eu quero gritar o que eu tenho vontade! Eu quero tudo, eu quero nada, eu quero uma overdose de você só pra ter certeza que eu te odeio. Eu quero amar sem ter responsabilidade e não ter de deixar dinheiro na cômoda antes de sair do quarto. Quero cuspir tudo isso e quero que me entendam. Quero chorar baixinho e receber mimo sem ter de pedir. Quero gastar o que eu não tenho. Quero destruir o seu sorriso com minha boca cheirando a bebida cara. Quero ser eu mesmo e foda-se quem se importar.

Passou. Passou. Agora eu quero ser sério. Eu quero um futuro decente com filhos e uma esposa sorridente. Eu quero um emprego estável e não ter de correr riscos desnecessários. Quero aquele cartomante que me indicaram, pois ele só fala coisas boas. Quero assistir o Jornal Nacional no colo dela e lembrar de comprar a Cláudia desse mês para deixar na mesa da sala. Preciso também lembrar de escrever o cartão de aniversário da minha sogra, que é um doce de senhora. Quero não querer encher a cara com meus amigos para manter o bem estar social dentro de casa. Quero não me preocupar com o IPVA. Quero que o motorista do taxi dirija devagar. Quero ser eu mesmo e me importar com o que pensam de mim.

Passou. Passou. Quero resistir às tentações ao me entregar a elas. Quero apertar o pescoço dela até eu achar que já é suficiente. Quero frequentar a igreja todo domingo. Quero rasgar suas roupas com a boca e embebê-la de uísque importado antes de sorver seu corpo. Quero economizar dinheiro e parar de fumar. Quero trepar loucamente sobre uma mesa de sinuca, perante um público horrorizado. Quero visitar mais minha família e ouvir as estórias da minha avó. Quero ganhar muito dinheiro e gastá-lo de forma inconsequente. Quero ser medíocre e viver em paz. Quero lamber as grades de uma prisão feminina. Quero ser eu mesmo, sem me importar em se-lo.