segunda-feira, agosto 28, 2006

-Boa noite. Espero não estar incomodando. - disse eu, aparecendo do nada no meio da sala onde ele estava se divertindo com cocaína e prostitutas. - Você sabe quem eu sou?
Ele deu um salto para trás assustado, arregalando os olhos e observando os detalhes da figura macabra à sua frente. O vestido negro longo cobrindo seu corpo, minha pele inconcebivelmente branca, meus olhos totalmente negros, a falta de expressão no meu rosto. Demorou alguns segundos ainda, depois das duas moças nuas gritarem e se afastarem da mesa de centro, para que ele tomasse uma atitude corajosa e empunhasse a pistola cromada que repousava sobre a mesa. Apontou para meu peito, o centro da misteriosa figura à sua frente e falou em voz áspera, alta e trêmula:
-Quem raios é você? Como entrou na minha casa? Como passou pelos seguranças?
-Eles não me viram. Na verdade, estou lhe dando a honra de me ver. Isso é algo que pouquíssimas pessoas recebem. Geralmente eu separo a vida de seus corpos frágeis antes que elas mesmo saibam o que está acontecendo.
-O que foi, gatinho? Você assustou a gente. - disse uma das meninas, olhando em volta para a sala vazia. - O que você está fazendo com essa arma?
-Percebe? Elas não podem me ver. - disse, colocando as mãos atrás das costas, paciente. - Peça para que elas se retirem da sala, por favor.
Ele obedeceu, cada vez mais incomodado com aquele delírio tão realista. Ignorou as perguntas das garotas e as mandou para outro comodo. Gritou com elas. Inclusive bateu em uma para que se apressasse. Ele nunca teve educação com mulheres.
-Pronto, - disse ele novamente - agora me responde quem diabos é você, mulher!
-Não estou aqui por você ter sido bom ou mal pois isso são conceitos sociais. Não existe certo ou errado. E antes que você cite os dez mandamentos, posso lhe assegurar que foram apenas diretrizes criadas por Deus para que sua criação prima pudesse prosperar sem se destruir. Para que vocês pudessem viver em sociedade. Estou aqui simplesmente pois seu tempo acabou. Chegou no ápice de sua existência. Afinal, você não achou realmente que fumar, beber e cheirar cocaína por dezesseis anos consecutivos fosse realmente fazer bem ao seu corpo, não é?
-Você é a morte! Meu Deus, você é a morte! Saia da minha casa!! - e ele disparou contra mim algumas vezes. Os projéteis terminaram suas trajetórias na parede atrás de mim, quebrando vasos e perfurando alguns quadros.
-Como vê, suas suspeitas de que isso seria inútil se confirmaram. Talvez agora você possa agir civilizadamente.
Ele chorou. Um homem forte, poderoso e são, chorou novamente depois de mais de trinta e oito anos. Deixei que ele terminasse e escutei sua lamentação subsequente.
-Mas então porque vem me torturar dessa forma? É o mesmo que me apontassem uma arma para a cabeça! Por quê não me levou simplesmente? Não existe maneira de lhe convencer o contrário? - disse ele, agora sem uma lágrima no rosto.
-Deixei que me visse pois gosto de você. Gosto de pessoas realmente corajosas e ambiciosas, que enfrentam seus problemas e os obstáculos impostos pelos senhores da criação de maneira adequada. Sendo assim, eu lhe proponho uma morte limpa. Você não sentirá nada. Apenas irei separar sua essência do invólucro mortal que a envolve e iremos para o Limbo, onde será preparado para sua próxima existência. Você aceita vir comigo, por vontade própria?
-Não posso. Apesar de eu ter feito diversas coisas ruins na minha vida, sou um homem de família. Amanhã é aniversário de dois anos de minha filha. Deixe-me vê-la uma vez mais. Depois da festa você pode me levar. Eu lhe imploro.
-Isso não me comove, meu caro senhor. Não pelo fato de você ter uma filha pequena e uma mulher submissa e estar nesta casa se divertindo com drogas e prostitutas. Não pelo fato do seu arrependimento, pois como disse, certo e errado são conceitos sociais criados por Deus e seguidos pelo homem com o simples propósito de organização. Mas, se é assim que você deseja, esta foi a sua escolha. Eu retornarei amanhã.
Desapareci de sua visão repentinamente. Ele agradeceu de joelhos, com as mãos juntas ao peito como se tivesse a certeza de que Deus em pessoa pudesse realmente ouví-lo. Se vestiu decentemente com seu melhor terno, pôs as garotas de programa para fora de sua casa e ligou para sua mulher, dizendo que estava com saudades e convidou-a para jantar. Cheirou uma última carreira de cocaína antes de sair de casa.
Demorou quase dez minutos para morrer, sob o torturante sofrimento causado pela overdose.


Dizem que quando você enfrenta a morte, momentos da sua vida passam pelos seus olhos com um filme, num piscar de olhos.
Isso é mentira.

Aqui estou eu, sentindo o último suspiro de vida em meu corpo e o que vejo são as conseqüências das escolhas que fiz e daquelas que não fiz. É claro que você pode pensar que isso é obvio, pois nossa vida é o resultado das escolhas que fazemos. Mas o quanto realmente paramos para pensar nessas escolhas antes de fazê-las? Como realmente reagimos perante uma situação que pode de uma maneira extraordinária afetar o resto de nossas vidas?
No meu caso, que rumo minha vida teria tomado se tivesse aceitado o emprego que meu tio ofereceu na fazenda ao invés de me alistar nos Fuzileiros Navais? Ou se tivesse vencido a timidez e me aproximado da linda garota que sorriu para mim no vagão do metro a caminho do Centro de Recrutamento da Marinha em Nova York.

Eu nunca vou saber.

Mas nesse exato momento de desprendimento é como se, de alguma maneira, meu subconsciente estivesse me mostrando que esse final poderia ser diferente e essa dor poderia ter sido evitada e, quem sabe, eu acabaria meus dias ao lado da garota do metro na minha fazenda no interior da Louisiana com meus filhos e netos e não numa praia francesa do outro lado do Atlântico.
Posso sentir o sangue subindo na garganta, o final está próximo. Posso ver as traçantes das MG 42 alemãs passando por cima da minha cabeça.
O ar cheira a morte.

Mas quer saber?! Não me arrependo. Pois estou morrendo da maneira como escolhi, apesar de ter apenas 18 anos, minha vida, tenho certeza, irá servir para um propósito maior e o que estamos fazendo hoje na costa da França será lembrado por incontáveis gerações no futuro.
Meu nome não é importante.

O importante é saberem que eu junto com milhares de outros jovens de diversas nações, no dia 06 de junho de 1944 às 06:36 da manhã desembarcamos na Normandia na operação que ficará conhecida na historia como o DIA D.
Às 06:38am sob o fogo cerrado de metralhadoras, morteiros e artilharia eu me despeço com a sensação de dever cumprido.
Boa noite...

Escrito por João Marcos

quarta-feira, agosto 09, 2006

Não fiquei nervoso, nem chorei pelo que me lembro, quando a vi deitada na cama, coberta por lençõis brancos e sangue. Podiam ter atirado nela. Teria sido menos doloroso do que as diversas facadas. Mas se tivessem atirado eu não teria entendido o recado do índio. Ela foi uma boa pessoa. Boa esposa também. Enterrei-a na mesma tarde em que a encontrei e rezei para que Deus acolhesse sua alma com carinho.

No dia seguinte comecei a procurá-lo. Ele provavelmente queria muito que eu pagasse os vinte e cinco dólares que eu lhe devia, depois de uma mão ruim no pôquer. Ele havia me avisado que se eu não pagasse até a semana passada, eu sofreria consequências. Mas não achei que chegaria a tanto. Mesmo porque eu tinha certeza que ele tinha roubado. O índio era muito ágil com as mãos. Óbviamente eu não o encontrei quando cheguei à cidade, mas tive a esperada recepção calorosa daqueles que trabalhavam para ele.
Levaram-me para um beco onde, com pedaços de pau, socos e chutes, me mostraram que o pagamento devia ser feito. Eu não entendia exatamente se aquele seria o motivo de tanta crueldade. Não podia ser. Ninguém assassina a esposa de um homem por uma pequena dívida de jogo. Não por vinte e cinco dólares. Eu precisava encontrá-lo. Precisava perguntar para ele o verdadeiro "por quê". Quando me recuperei da surra, voltei para a cidade e entrei no Banco Civil para pegar algum dinheiro da minha conta. Tudo o que me sobrara eram vinte e sete dólares. Suficiente para pagar o que eu devia. Meus primeiros passos para fora do banco foram seguidos por membros do bando do índio. Alguns momentos depois me lembro de ter dito que já possuia o dinheiro e mostrei-o para aqueles homems, mas disse que gostaria de entregar ao índio em pessoa. E eles me bateram de novo. Nem ligaram para o dinheiro, pois diziam que a dívida agora era de trinta dólares. Acordei muito machucado. Os dólares, enfiados com força em minha boca por pouco não me sufocaram.

Eu queria falar com o índio. Voltei mais uma vez para a cidade, desta vez quando o sol começava a se pôr. Parece que eles viviam para me espionar pois assim que comecei a andar pela Rua Principal, eles saíram do saloom e vieram na minha direção. Rindo. Ostentando seus porretes e suas armas. Seis deles. Não foi coincidência eu ter seis balas em cada uma das Colts ao meu lado. Um par por vinte e cinco dólares. Achei o preço justo.

Não errei ninguém. Como se o diabo guiasse minhas mãos.
Poucos segundos depois eles jaziam mortos no chão enquanto eu recarregava-as com mais um tambor completo. Talvez por ter sido longe do saloom, ninguém esboçou nenhuma reação quando eu entrei lá. Ou talvez por que aquela era uma cidade violenta mesmo. A única pessoa que olhou para mim foi o índio. Sentado sozinho numa mesa de carteado, jogando algum tipo de paciência. Sentei na mesma mesa, sem dizer nenhuma palavra. Ele recolheu as cartas, embaralhou, e distribuiu cinco para mim, cinco para ele. Baixou o maço ao seu lado e disse:
-O que você acha da Violeta? Todos adoram ela. Todos os homems como você, pelo menos. Gosto de mulheres mais fortes.
-Não me preocupo com o tamanho em si. - respondi, pegando minhas cartas para olhar. - O que importa é o calor da mulher.
-Hahaha! - ri o índio - Concordo com você, meu caro. Nunca fodi uma prostituta e pretendo nunca fazê-lo. É nojento.
-Eu já o fiz. Me arrependo. Não gosto de fazer isso sem algum tipo de sentimento.
-Ah! Sempre achei que fosse um homem honrado e tradicional, meu caro. - disse enquanto trocava suas cartas - Admiro isso.
-Quero duas. - respondi quando ele apontou para o baralho. - Sim. Sou um homem de honra. Por isso gostaria de fazer-lhe uma pergunta. Se o senhor não se importar.
-Claro que não. Fique à vontade. - respondeu ele ao me entregar as duas cartas e realizar a troca. - Só espero que não seja sobre meu grupo étnico ou eu vou ficar chateado.
-Não, não é. - Disse eu olhando minha nova mão. - Gostaria de saber por quê o senhor matou minha esposa.
-Filho, não acredito que você vai estragar um bom jogo com um assunto destes. - disse ele - Aproveite a noite! Aproveite que meus homens não o encontraram ou você não estaria neste saloom.
-Por favor, senhor, eu realmente gostaria de saber. - joguei dois dólares na mesa. - Aposto dois.
-Muito bem, eu lhe direi. Pois ela mereceu. - respondeu, abrindo os braços, num gesto óbvio. - Ela veio a mim para perguntar se eu podia perdoar a sua dívida. Que eu devia ir até a sua casa e receber vinte dólares que era tudo o que ela tinha. Eu, como um homem misericordioso, aceitei. Mas quando eu fui até ela, até sua casa, ela me recebeu nua. Disse que era pagamento suficiente se eu a fodesse. Bah! Aquele corpo mirrado mal iria me satisfazer! Foi um ato repugnante uma mulher casada fazer aquilo!! Então fodi ela como um bicho. Um bicho sujo. Então meus homens fizeram o mesmo. Para ela aprender, entende. Aquele ato abominável deveria ser punido de forma abominável. Quando eles a deixaram exausta eu a esfaqueei. Ela sofreu e se debateu como uma cabrita no abate. Pronto. Contente? Preferia que você não soubesse mas você perguntou.
-Obrigado por sua sinceridade, senhor. Eu agradeço. Não guardo raiva nem mágoa agora. Realmente ela mereceu morrer. É o senhor que aposta.
-Vejo que pelo menos tem bom senso, rapaz. Gosto disso. Atitude de um homem honrado. Não vou esfolá-lo logo de começo então: cubro seus dois. Pago para ver. - e ele baixa suas cartas na mesa, abrindo um largo sorriso e falando alto com o vozeirão que tinha - AHA! Trinca de ases!! Acho bem difícil você ter algo que...
Saquei minha arma e atirei na garganta dele.
O eco da explosão da pólvora reverberou por todas as paredes do saloom enquanto ele caía para trás, se debatendo com a mão no pescoço, asfixiando-se no próprio sangue. Demoraria cerca de dois minutos para morrer.

Levantei-me da cadeira, coloquei a arma novamente no coldre e encarei o último suspiro de vida nos olhos dele:
-Fullhouse, filho da puta.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Depois que eu cheguei nos trinta comecei a receber vários conselhos subliminares de que eu já devia ter casado, ter tido filhos, ter tomado jeito na vida e encarar a minha idade. Cacete, por quê? Por quê raios eu precisava me encaixar no padrão social? Eu ainda gostava muito de cair na balada durante a semana, acordar cabeçudo para ir trabalhar no dia seguinte, jogar videogame até de madrugada, berrar com a minha voz esganiçada uma música bacana dentro do carro, dissecar cultura pop com os amigos e, resumindo, fazer o que eu gostava de fazer. Mas às vezes até pensava em "crescer", virar "adulto". Tanto que quando minha irmã me pediu para levar o filho dela e uns amigos do garoto para uma matinê numa baladinha eu topei na hora. Porra, já não via o garoto há quase um ano! Quis ser um tio legal e levar a turma pra balada! Pelo menos eles não tão indo assistir um filme da Estupixuxa. Apesar de que eles tão com treze ou quatorze anos, acho que não tem mais idade pra isso. Não! Acho que tão com quinze e poucos. Bom, enfim, num sabadão fui pegar o povo na casa da minhã irmã.

Parei o carro, businei e a porta da casa abriu. Daí começou o freak show. O primeiro a sair foi um serzinho bizarro, de um metro e meio de altura, usando uma camisa xadrez na cintura, uma camisa laranja coberta com outra camisa xadrez, tênis de cano alto e calça jeans, loirinho que nem canário e de olhos claros, portanto uma cara de idiota tão tamanha que o Mike Meyers ficaria com inveja. Daí me sai uma menina toda delicadinha, sorridente, bonitinha, que a seis passos do meu carro dá uma arrotada de fazer vibrar o para-brisa e depois ri com eles que nem a Hello Kitty, toda meiguinha. Finalmente sai a porra do meu sobrinho, usando uma calça jeans preta, sapato, moleton escuro e um corte de cabelo ridiculo, com uma mega franja caindo no meio da cara. Todos eles super educados, entraram no carro dando oi, boa tarde e o "e aí tio?" básico. Quero dizer, todos eles vírgula, pois o lorinho falou palavras incompreensíveis mas me soaram como um oi. Saí com o carro e no começo do trajeto já fiquei sabendo que o Lars era um aluno de intercâmbio da Ucrânia e não falava portugUês. Claro que eu me perguntei do que cacete o moleque era aluno se ele não entendia porra nenhuma em português. Mas daí meu sobrinho já disse que ele era grunge e era muito legal. Ok, é legal ser grunge de novo então. Bom saber. Quis então ser descolado e perguntei em inglês pro tal Lars se ele preferia alguma outra banda de Seattle tipo Soundgarden, Alice in Chains ou caia mais pro Pixies clássico. O moleque não disse nada. Aparentemente também não falava inglês, mas meu sobrinho já foi falando que ele não gostava dessas coisas não. Curtia mais um Smiths e adorava Tori Amos. Retruquei como qualquer outra pessoa sensata: "Mas então como caralho ele é grunge?" e recebi um "Uai? Ele é grunge, ponto.". Resolvi não continuar senão ia dar briga. Já sabia que o caminho ia ser longo. Então, para quebrar o silêncio desconfortável que foi criado com minha cara pensativa de "nossa-que-moleque-imbecil", meu sobrinho começou a tornar minha vida miserável.

-Ah! Tio, não te contei, arrumei uns amigos legais e vou virar eno.
-Virar o quê!? Cê vai virar sal-de-fruta? Que porra é essa?
-Não! Virar eno, curtir umas bandas atuais, sons melódicos. Você que gosta de música devia saber! O Lars é grunge, a Melinda é lésbica e eu vou ser eno.
-Ok, primeiro, você quer ser EMO, termo abreviado do Emotional Hardcore, atrelado às bandas do círculo punk de Washington que curtem um lirismo mais emocional que o padrão. Eno = sal-de-fruta. Emo = Emotional Hardcore. Segundo, o Lars não é grunge. Ele é um Ucraniano estranho que gosta de se vestir de xadrez. Terceiro, o que raios tem a ver ser lésbica com vocês dois serem de tribos musicais?? Ou vai dizer que ela é lésbica por gostar de meninas de banda? Ela é fã do L7 agora?
-A questão é ser de uma galera bacana. - respondeu a garota, claramente aborrecida com minha pergunta, cruzando os braços e falando virada para a janela. - Melhor que ficar sozinho jogando videogame! Cai vida, fala sério.
-Vai ser bacana ser emo né? - interviu meu sobrinho, antes que eu espinafrasse a fióta. Menina atrevida. Como diz um amigo meu: Eu não preciso cair na vida, eu jogo, eu tenho um monte de vidas! Mas fiz de conta que não foi comigo para não causar polêmica.
-Depende, você vai virar emo porque gosta de Simple Plan, My Chemical Romance, Taking Back Sunday e outras do mundinho underground ou porque quer ficar junto com um bando de moleque andrógino, na esquina de algum buteco, tomando vinho chapinha e falando asneira até ser vassourado pelo dono do bar pra uma outra esquina imunda qualquer?
-Nem curto muito música, o legal é o pessoal. - feriu-me os ouvidos mas eu já esperava.
-Fala sério, Rogério, não acredito que quando eu acho que você vai virar alguém com integridade mental você me dá uma dessa e se entrega de corpo e alma e cabelo pra mídia de massa, pra cultura ultracapitalista, que te transforma num robô que faz, usa e pensa como e o quê eles querem.
-Tem que ser da moda agora, né? - interviu a garota - E chama ele de Róger. E pelo menos ele faz coisas condizentes com a idade que tem.
-Rogério... - Respirei fundo e engoli seco pra não mandar a sapatinha tomar no cu e continuei a falar com ele. - ...você tem que ser você mesmo, cara! Faça o que VOCÊ acha bacana! Não se deixe levar pelas idéias alheias!!
Nisso o ucraniano me solta uma frase ininteligível e os três caem na gargalhada. Claro, me senti um imbecil.
-Fala sério que você entendeu? - perguntei pro Rogério - Desde quando você fala ucraniano?
-Não foi nada. Esquece. - Disse meu sobrinho afetado. - O Lars ta só brincando.
-Ok Han, para com a palhaçada, me traduz o que o Chewbacca falou ou vou ficar bem puto.
-Calma tio! - disse a porra da menina - Desencana! É brincadeira nossa. Dirige com calma ou a gente não chega.
-ô velcrinho, - perdi a paciência, ninguém dá pitaco como eu dirijo. - pega leve que a conversa não chegou na passeata. To conversando com meu sobrinho pois eu não quero ver ele virar uma bicha doida sem cérebro que acha que ser maníaco-depressivo dá barato. Então, por favor, com toda a educação que mamãe me deu, calaboca.
-Nossa, puta educação tua mãe te deu, hein? - inacreditavelmente, sim, ela respondeu isso. Quando eu tava pronto para soltar um "Tudo isso é falta de rôla??!" o infeliz do "emo-wannabe" do meu lado grita:
-E eu já beijei um menino!! - tenho certeza que foi exatamente nessa hora que eu desenvolvi minha atual condição cardíaca.
-Oi? - olhei pra ele com as sombrancelhas mais em pé que gato assustado. - Como assim? No rosto? - ele ficou sem graça, virou o rosto pra janela, o Estranho-no-Ninho criado pela avó falou algo surreal, a menina emendou um "Na boca né, tapado?!", eu tomei uma fechada, joguei o carro pro lado, rasguei o pneu num buraco, ralei as rodas na guia e estacionei vinte metros pra frente suando frio.

-Olha! Chegamos! Valeu! - e desceu do carro num piscar de olhos, seguido pela garota que desceu dizendo "Valeu coroa!" toda sorridente e pelo tipinho loiro que falou algo parecido com "Irrtizamaktajuvabelhiondernis.". Os três se reuníram com mais umas quinze outras aberrações da fauna urbana e entraram na boate. Eu, troquei o pneu, acendi um cigarro e depois que a hostess do lugar me perguntou que horas eram, eu perguntei que horas ela saía.

Casei com ela faz dois anos. Assinei meu divórcio faz dois meses. Jogo videogame até hoje.


quarta-feira, agosto 02, 2006


Ela sentou-se sozinha, novamente, no mesmo lugar de sempre, na mesma balada de sempre. Um lugar escuro, de iluminação bem precária, criando o clima soturno que tanto gostava. Me sinto em paz alí. Prefiro os maníaco-depressivos góticos aos playboys que sempre falam sobre os mesmos assuntos e, geralmente, não possuem poder intelectual mais avançado do que o de uma capivara.

Acompanhada, como sempre, por seu copo de plástico cheio de gelo, uísque de proveniência duvidosa e energético, ela fechou os olhos por um momento, deixando o som que vinha da pista entrar pela sua pele. Musica tem que ser ouvida pela pele, afinal. Murmurou o refrão e quando abriu os olhos ela viu o primeiro idiota da noite. Ele simplesmente tinha sentado na frente dela e antes que a bela solitária tivesse tempo de suspirar impaciente ele já emendou:
-É difícil ver uma mulher tão bonita sozinha num lugar desses. - sorriu ele, de um jeito mais canastrão que o Tarcísio Meira.
-Deve ser difícil para você ver qualquer coisa. Afinal, você nem se enxerga, imbecil. - retrucou ela, dando um gole pequeno no seu drink e segurando-o ao lado do rosto.
-Nossa! - fingiu um certo espanto o rapaz - Por quê tanta grosseria? Só estou puxando papo.
-Vai puxar é as tetas da sua mãe seu filho duma puta. sai da minha frente ou eu chamo o segurança.
-Jesus! - blasfemou o rapaz, agora realmente assustado - Que que é isso mina! Nossa...

Ele levantou soltando alguns palavrões a mais e deixou-a em paz, novamente entregue à bebida e à música. Porém o sossego de uma mulher atraente e bem vestida numa casa noturna dura pouco. Dura menos ainda se ela estiver sozinha pois, aparentemente, todo homem realmente acredita que a noite só é válida se você beijar alguém. E eles fazem de tudo para isso, incluindo pagar bebida, se fazer de idiota, implorar beijo, se passar por coitado, deitar, rolar e fingir de morto.
-Oi. Posso me sentar aqui? - disse o jovem, em um tom extremamente educado.
-Não.
-Por quê não?
-Porque eu não quero.
-Por quê você não quer?
-Pois eu vim sozinha para ficar sozinha. Se eu quisesse a companhia de uma criatura ignorante eu teria trazido meu cachorro.
-Você nem me conhece, como pode me julgar assim? Se liga! Larga a mão de ser grossa. - e a educação saiu pela janela.
-Eu perdi a parte onde ser grossa é um problema seu.
-Então fica aí vagabunda! Vaisefudê viu...

E a cada quinze minutos de paz outro aparecia e durava cerca de dez segundos com ela. Então a paz voltava. Era como uma tortura de eletrochoque: um pouco de paz e dez segundos de tormenta, intermitentes noite adentro. Seis doses mais tarde, no caminho até o bar e à sétima e derradeira bebida, esbarrou nele, derrubando sua cerveja barata no chão.
-Oops! Desculpa. - disse ela de sopetão, pondo a mão na boca, delicada.
-Desculpa o caralho. Empresta sua comanda que eu vou pegar outra. - respondeu ele, sem nervosismo algum, com o semblante de um soldado.
-Como assim? - espantou-se a moça.
-Nossa, além de destrambelhada é surda.
-Ei! Vai se fuder! Me trata com respeito! Te pedi desculpa!
-Porra, você que esbarrou em mim e agora quer ter razão? Pega outra breja pra mim e não reclama! - e suspirou - Puta mina mão de vaca ainda!
-Mão de vaca é a vaca da sua mãe cretino! Pinto murcho do caralho!
-Tománoseucu mulher! Baixa a bola ou eu rebento a sua cara!!
-Tu não é homem pra isso, palhaço! Me encosta um dedo e eu chamo o segurança e ele te arrebenta seu corno.
-Se eu te encostar o dedo cê vai chamar é uma ambulância putana!

Ela parou estupefata e irritada, olhando para seus olhos e querendo explodir por dentro. Porém a única explosão foi a gargalhada mútua dos dois desconhecidos. Rindo sob o fraco e sibilante brilho amarelado de uma vela até chegarem às lágrimas.
-Com licença, - pede ela ao barman - eu queria uma cerveja bem gelada.
-E um uísque com flash power pra mim por favor. - pede o rapaz, enxugando os olhos, ainda em alguns espasmos de riso.
-Prazer em conhecê-lo. Meu nome é Ângela.
-Sério mesmo?! Minha tia chama Ângela!
-Foda-se ela. Como você chama?
-Jefferson.
-Puta nome de favelado! Quer dançar?
-Hehehe, claro. Por quê não?

terça-feira, agosto 01, 2006


02h32min AM – Hora local. – Órbita alta de Archon Ren, planeta natal do Reino Xxcha

Dreadnought TEEARI, nau-capitania da frota de invasão Naalu.

Deslizando graciosamente pela ponte de comando a Almirante M´aban, observava o planeta sitiado abaixo. Aguardando pacientemente a resposta do governante dos Xxcha aos termos de rendição que ofereceu horas atrás, logo após aniquilar a pequena frota de defesa em órbita.
- Almirante, o rei Ccrysus aceitou nossos termos de rendição. - Disse, sem pronunciar uma palavra ou som, a sibilante oficial, mais atrás.
- No entanto, ele fez... Um pedido. - Concluiu com um pensamento sarcástico a jovem oficial Naalu, se aproximando.
Temidos pela galáxia por suas grandes capacidades telepáticas, a raça meio humanóide, meio serpente com característicos olhos azuis brilhantes usava sua voz somente em duas ocasiões, para se comunicar com outras raças, as quais sempre acharam inferiores, e para entoar lindas canções narrando glórias e conquistas do passado.
Sendo uma das raças mais antigas da Via Láctea, os Naalus já estendiam sua influência por centenas de mundos, enquanto a maioria das outras raças, ainda viviam em tribos ou mal haviam desenvolvido a capacidade primitiva da fala. Mas foi somente na metade das Guerras do Crepúsculo, que a civilização Naalu se fez conhecer para o resto da galáxia, com a ajuda da Guilda de Espiões Yssaril. E a partir daquele momento, colocar em ação seu plano de trazer ordem e beleza numa galáxia inundada com o caos da corrupção de raças medíocres.
Na ponte de comando, apesar da atividade intensa, o silencio era tão profundo quanto o silencio do espaço exterior onde flutuavam imponentes os 376 Dreadnoughts e naves de apoio que formavam a frota de invasão, ao todo 1128 naves de combate e 97 carriers, uma força sobrepujada em poder fogo somente para a frota defendendo o planeta natal dos Naalu, Druaa.
- E qual seria o pedido do nobre rei. – Pensou a Almirante em tom arrogante, para a oficial ao seu lado. Sem tirar seus olhos e sua mente do planeta abaixo.
Pairando como uma eterna cicatriz do passado, o planeta devastado de Archon Tau, surgia no campo de visão da ponte de comando.
- O rei solicitou doze horas padrão antes do envio de nossas tropas, segundo ele, para efetuar uma transição sem mais perdas de vida de ambos os lados. – Pensou a oficial, desviando brevemente o olhar para planeta gêmeo de Archon Ren, uma esfera cinza sem vida, devastado durante a invasão dos Letnev.
Ao sentir em sua mente, as palavras da oficial, a Almirante viu a última peça de seu plano se encaixar e sabia que seu objetivo estava próximo, projetando na coletividade telepática dos Naalu sentimentos harmoniosos de alegria, sarcasmo e satisfação.
Em Druaa, seus lideres sorriram ao compartilhar os pensamentos da Almirante junto com a certeza de que o reino Xxcha estava com suas horas contadas e a conquista de Mecatol Rex, a capital da galáxia, cada vez mais próxima.
- Diga ao nobre rei, que a líder da frota Naalu, Almirante M´aban, lhe concede esse último pedido. - Pensou M´aban, ao mesmo tempo em que sentia um breve pensamento de desaprovação, que a oficial ao seu lado tentou sutilmente esconder.
- Você desaprova esse curso de ação, oficial de Primeira Casta Erviic! Explique! – Ordenou a líder da frota. Logo abaixo, a estrela Xxlak se revelava atrás do planeta prestes a ser subjugado, banhando a ponte de comando com uma leve luz dourada, por alguns segundos a jovem oficial observou aqueles olhos azul safira com uma mistura de medo e profunda admiração.
- Com todo respeito Almirante, nós somos Naalus. – Pensou finalmente a orgulhosa jovem.
- Nascidos das Três Deusas Elementais e contemplados pela criação com a Voz da Mente Unida. Nossas tropas podem conquistar esse planeta ultrapassado em poucas horas, devemos atacá-los agora... senhora! – Concluiu a oficial, abaixando a cabeça em sinal de respeito e para não encarar novamente os faiscantes olhos de sua oficial superior.
- Admiro sua coragem, oficial Erviic. Mas lhe falta astúcia militar para perceber todos os aspectos de uma campanha dessa magnitude.
- Acompanhe-me e aprenda! – Ordenou a Almirante, erguendo lentamente o queixo da jovem oficial com a ponta dos dedos.

Baseado no universo de Twilight Imperium
Escrito por João Issa