sexta-feira, setembro 18, 2009


Com pálpebras trêmulas, eu te digo o quanto adoro você. Passo a mão no seu rosto de mármore, acariciando a estátua sólida que sorri para mim, dizendo que tudo vai ficar bem. Eu entendo. Vai ficar tudo bem. Sempre ficou. Você me ama. Eu troco qualquer coisa que passe neste corpo, que eu arrumo para você, para assassinar silenciosamente os pensamentos impúros e imundos que passam em minha cabeça. Eu não queria pensar. Eu não queria sentir. Eu queria trocar eu por você.

Com lábios ressecados, eu recuso. Eu aperto meu peito tentando refrear a vontade enlouquecida de sentir sua língua na minha boca. Você trabalha tanto. Você trabalha por mim. Eu quero um filho seu. Eu quero você. Mas eu entendo que você, como uma pessoa muito mais evoluída que eu, consegue ultrapassar as trivialidades para pensar no futuro. Você trabalha tanto. Eu sei que quando você tiver uma centena de milhar em sua conta, eu serei mãe. Eu sei que viajaremos sem nos preocupar. Eu só gostaria de ter a sua paciência e sabedoria. Mas não tem importância. Eu sinto em seu lugar a vontade de me tocar. Eu choro em seu lugar o desperdício das nossas horas juntos. Eu escondo minhas vontades loucas em seu lugar, para confortá-lo com um sorriso quando você chegar cansado. Eu me faço você. Assim você não precisa entender que sua vida sou eu por você.

Com mãos machucadas eu aperto a cortina da sala. Conto nos dedos as nossas últimas horas juntos e bato em mim mesma quando me pego criticando que as últimas 24 horas nossas se deram no último mês. Eu olho pela janela e imagino você dentro de mim, instável em meu coração. Aí percebo que seu coração sempre foi meu. E me odeio por não ser como você. Me odeio por querer fazer coisas de menina, por querer ter amor de cinema e por não ter a sua compreensão do que é uma vida direita. Eu quero morrer para te livrar desse peso. Para você encontrar alguém que te mereça. Quero dar a vida pela sua. Pois se alguém tiver de sofrer, que seja eu por você.

Com pernas bambas eu fecho a porta sempre que você me pede. Eu deito do seu lado e anseio por entender o que você faz. E me assusto toda vez que olho para você e você não está ali. Seu rosto ´banhado pela luz neon do computador não é meu. Seu corpo não responde ao meu toque. Sua alma deseja mais dinheiro para nós. Eu só queria passear. Eu só queria comprar o berço mais barato. Você nunca esteve realmente alí, não é? Sentada em enjoativo e apavorante silêncio eu me dou conta de que meu egoísmo beira a ignorância. Minha ambição por sensações e amor de conto-de-fadas é patética, perante nossa vida coerente. Mas pela primeira vez em minha vida, eu quero ser Janis. Essa sensação não pode mais ser controlada. Eu quero ser menina. Eu quero namorar. E se alguém tiver de voltar no tempo, que seja eu por você.

Com a voz mais lívida que consigo espremer da garganta eu digo adeus. Um adeus egocêntrico e sujo. Um adeus para mim. Um adeus à certeza. Um adeus ao luxo. Um adeus à vida real. Um adeus para alguém que nunca esteve ali. Não me arrependo, mas é provável que o faça nos dias que virão. Mas pelo menos quero me arrepender sem culpa. Esperei Peter Pan vir me buscar. Ele se atrasou. Eu não posso mais esperar. Perdoe-me, se for capaz, por pensar em mim. Por querer mais quando aos seus olhos eu tenho tudo. Mas espero que entenda que só sou assim pois não fui feita para o amor real. Eu não fui feita por Deus ou pelos meus amigos que você não suporta. Eu fui feita por você. E esse doloroso adeus fica. A solidão sempre teve tempo para mim. Está na hora de eu lhe dar ouvidos. E por adorar tudo o que fizemos sob noites sem estrelas, se alguém tiver de morrer...

...que seja eu por você.

"Imagine me and you, I do
I think about you day and night, it's only right
To think about the girl you love and hold her tight
So happy together..."
-- Turtle, Happy Together

Written by: Verônica Prata

quarta-feira, setembro 02, 2009


Foi em oneroso momento de subconsciencia irrefreável, recente, que ví seu rosto novamente. Estávamos em minha escola antiga, com pessoas que não faziam parte do metier à minha volta. Tudo um tanto borrado quando o seu rosto se destacou, sorrindo, como sempre tive de lembrar você, que é uma das melhores coisas que você sabe fazer. Por certo despertando em mim aquela sensação de alegria indiscreta quando se vê pessoa há tempos esquecida. Porém, diferente do que imaginava o comum pensamento quase presente, você beijou minha boca ao me cumprimentar. Eu afastei, atônito, com tantas perguntas em mente que resolvi não proferir sequer suspiro e voltei a beijá-la, como acredito que seja firme, delicado e marcante ao ponto de tirar seus pequenos pés do chão.

E tais segundos de louco êxtase foram suficientes para trazer à tona a desgraçada consciência e eu acordei. Sentado na cama ainda sentindo seus lábios entre os meus dentes. Sua cintura entre os meus braços, algumas mechas castanhas entre os meus dedos. Mas acho que foi sentindo a água quase quente do chuveiro bater em meu rosto e lembrar-me que você foi uma das pouquíssimas que escorreram por entre as minhas mãos, a batalha perdida. Como diria a vocalista do Cardigans, I lost my favorite game.

Eu cometi assumidos erros, mas não chorei ou me senti desolado pela falta de confiança característica, e por vezes devida. Eu sorri. Talvez intrigado com a remota possibilidade de tentar de novo, um dia, quem sabe? Existem pessoas que passam e se vão, conhecemos diversas delas. Mas algumas raras deixam aquele buraco inconformado que não deveria ter sido assim. Deveria ter sido diferente. Deveríamos ter vivido um filme em branco e preto. Mas não importa. Pois se rebobinarem o mundo, nós ainda vamos viver para sempre e você ainda pode ficar de chapéu.

My Fair Lady, there's no Love Among Thieves.