quinta-feira, setembro 09, 2010


Ele a conheceu num momento em que sua vida estava estática. Trabalho entediante, namorada entediante, apenas um par de pessoas sériamente perturbadas para chamar de amigos. Ela tinha o rosto de um anjo. Uma voz que fazia Schubert parecer um zumbido irritante. Seu sorriso cortava o ar de todos à sua volta. Seu corpo, uma obra prima natural da criação.

Eles começaram a sair juntos, apenas para conversar. Ele mergulhava em seus olhos enquanto ela falava, perdido em pensamentos indiscretos. Ela não se importava. Talvez ela soubesse o efeito que sua presença causava nele, mas isso a fazia se sentir protegida. Guiada. O primeiro beijo foi etéreo. A sensação elétrica de duas almas feitas uma para a outra, se encontrando finalmente no mundo caótico onde vivem. Ele se separou para ficar com ela. Ele foi feliz por meses, adorando-a cada minuto. Até conhecer uma outra mulher.

Ele saiu as escondidas com esta outra, encontros ardentes em motéis afastados, por mais de um ano. Mas nunca deixou a garota que tanto amava. Nunca contou a verdade, também. O cortejo e a proibição tornavam seu affair irresitível à sua natureza romântica. Ele precisava daquilo. Era mais forte do que ele. Amor nunca lhe fora suficiente. Ambas capturaram seu olhar de formas diferentes, mas tão intensas, tão irrefreáveis. Algo devia ser feito. Ele tinha de contar a verdade.

Hoje, sozinho por mais de quarenta e três anos e beirando a sanidade, ele se encolhe em uma cadeira da casa para idosos onde vive, balbuciando seus nomes como um mantra religioso. Chora aos soluços quando vê uma jovem passar pela rua, observando-a pela janela do quarto, arranhando o vidro embaçado com sua respiração ofegante. Lembranças insólitas de amores incompreensíveis, regadas pela culpa de amar demais. Arrasado pela honestidade sincera que o separou de ambas suas figuras imaculadas.

Quando entrei em seu quarto ele me perguntou, limpando as lágrimas do rosto:
-Você acha que só temos direito a um grande amor em nossas vidas?

E eu disse da forma mais sóbria que pude encontrar, para fazê-lo entender sobre a diversidade social como um todo:
-Não sei, senhor. Eu só trabalho aqui.

3 comentários:

Patricia disse...

Ê, sócio. Demora a postar, mas quando o faz é com maestria. Parabéns.

Fernando Cruz disse...

Puta texto da hora...

Dominick Van Shelley disse...
Este comentário foi removido pelo autor.