quarta-feira, agosto 09, 2006

Não fiquei nervoso, nem chorei pelo que me lembro, quando a vi deitada na cama, coberta por lençõis brancos e sangue. Podiam ter atirado nela. Teria sido menos doloroso do que as diversas facadas. Mas se tivessem atirado eu não teria entendido o recado do índio. Ela foi uma boa pessoa. Boa esposa também. Enterrei-a na mesma tarde em que a encontrei e rezei para que Deus acolhesse sua alma com carinho.

No dia seguinte comecei a procurá-lo. Ele provavelmente queria muito que eu pagasse os vinte e cinco dólares que eu lhe devia, depois de uma mão ruim no pôquer. Ele havia me avisado que se eu não pagasse até a semana passada, eu sofreria consequências. Mas não achei que chegaria a tanto. Mesmo porque eu tinha certeza que ele tinha roubado. O índio era muito ágil com as mãos. Óbviamente eu não o encontrei quando cheguei à cidade, mas tive a esperada recepção calorosa daqueles que trabalhavam para ele.
Levaram-me para um beco onde, com pedaços de pau, socos e chutes, me mostraram que o pagamento devia ser feito. Eu não entendia exatamente se aquele seria o motivo de tanta crueldade. Não podia ser. Ninguém assassina a esposa de um homem por uma pequena dívida de jogo. Não por vinte e cinco dólares. Eu precisava encontrá-lo. Precisava perguntar para ele o verdadeiro "por quê". Quando me recuperei da surra, voltei para a cidade e entrei no Banco Civil para pegar algum dinheiro da minha conta. Tudo o que me sobrara eram vinte e sete dólares. Suficiente para pagar o que eu devia. Meus primeiros passos para fora do banco foram seguidos por membros do bando do índio. Alguns momentos depois me lembro de ter dito que já possuia o dinheiro e mostrei-o para aqueles homems, mas disse que gostaria de entregar ao índio em pessoa. E eles me bateram de novo. Nem ligaram para o dinheiro, pois diziam que a dívida agora era de trinta dólares. Acordei muito machucado. Os dólares, enfiados com força em minha boca por pouco não me sufocaram.

Eu queria falar com o índio. Voltei mais uma vez para a cidade, desta vez quando o sol começava a se pôr. Parece que eles viviam para me espionar pois assim que comecei a andar pela Rua Principal, eles saíram do saloom e vieram na minha direção. Rindo. Ostentando seus porretes e suas armas. Seis deles. Não foi coincidência eu ter seis balas em cada uma das Colts ao meu lado. Um par por vinte e cinco dólares. Achei o preço justo.

Não errei ninguém. Como se o diabo guiasse minhas mãos.
Poucos segundos depois eles jaziam mortos no chão enquanto eu recarregava-as com mais um tambor completo. Talvez por ter sido longe do saloom, ninguém esboçou nenhuma reação quando eu entrei lá. Ou talvez por que aquela era uma cidade violenta mesmo. A única pessoa que olhou para mim foi o índio. Sentado sozinho numa mesa de carteado, jogando algum tipo de paciência. Sentei na mesma mesa, sem dizer nenhuma palavra. Ele recolheu as cartas, embaralhou, e distribuiu cinco para mim, cinco para ele. Baixou o maço ao seu lado e disse:
-O que você acha da Violeta? Todos adoram ela. Todos os homems como você, pelo menos. Gosto de mulheres mais fortes.
-Não me preocupo com o tamanho em si. - respondi, pegando minhas cartas para olhar. - O que importa é o calor da mulher.
-Hahaha! - ri o índio - Concordo com você, meu caro. Nunca fodi uma prostituta e pretendo nunca fazê-lo. É nojento.
-Eu já o fiz. Me arrependo. Não gosto de fazer isso sem algum tipo de sentimento.
-Ah! Sempre achei que fosse um homem honrado e tradicional, meu caro. - disse enquanto trocava suas cartas - Admiro isso.
-Quero duas. - respondi quando ele apontou para o baralho. - Sim. Sou um homem de honra. Por isso gostaria de fazer-lhe uma pergunta. Se o senhor não se importar.
-Claro que não. Fique à vontade. - respondeu ele ao me entregar as duas cartas e realizar a troca. - Só espero que não seja sobre meu grupo étnico ou eu vou ficar chateado.
-Não, não é. - Disse eu olhando minha nova mão. - Gostaria de saber por quê o senhor matou minha esposa.
-Filho, não acredito que você vai estragar um bom jogo com um assunto destes. - disse ele - Aproveite a noite! Aproveite que meus homens não o encontraram ou você não estaria neste saloom.
-Por favor, senhor, eu realmente gostaria de saber. - joguei dois dólares na mesa. - Aposto dois.
-Muito bem, eu lhe direi. Pois ela mereceu. - respondeu, abrindo os braços, num gesto óbvio. - Ela veio a mim para perguntar se eu podia perdoar a sua dívida. Que eu devia ir até a sua casa e receber vinte dólares que era tudo o que ela tinha. Eu, como um homem misericordioso, aceitei. Mas quando eu fui até ela, até sua casa, ela me recebeu nua. Disse que era pagamento suficiente se eu a fodesse. Bah! Aquele corpo mirrado mal iria me satisfazer! Foi um ato repugnante uma mulher casada fazer aquilo!! Então fodi ela como um bicho. Um bicho sujo. Então meus homens fizeram o mesmo. Para ela aprender, entende. Aquele ato abominável deveria ser punido de forma abominável. Quando eles a deixaram exausta eu a esfaqueei. Ela sofreu e se debateu como uma cabrita no abate. Pronto. Contente? Preferia que você não soubesse mas você perguntou.
-Obrigado por sua sinceridade, senhor. Eu agradeço. Não guardo raiva nem mágoa agora. Realmente ela mereceu morrer. É o senhor que aposta.
-Vejo que pelo menos tem bom senso, rapaz. Gosto disso. Atitude de um homem honrado. Não vou esfolá-lo logo de começo então: cubro seus dois. Pago para ver. - e ele baixa suas cartas na mesa, abrindo um largo sorriso e falando alto com o vozeirão que tinha - AHA! Trinca de ases!! Acho bem difícil você ter algo que...
Saquei minha arma e atirei na garganta dele.
O eco da explosão da pólvora reverberou por todas as paredes do saloom enquanto ele caía para trás, se debatendo com a mão no pescoço, asfixiando-se no próprio sangue. Demoraria cerca de dois minutos para morrer.

Levantei-me da cadeira, coloquei a arma novamente no coldre e encarei o último suspiro de vida nos olhos dele:
-Fullhouse, filho da puta.

Um comentário:

Lady disse...
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