segunda-feira, maio 31, 2010


Eu saio do Shopping Paulista com três sacolas de coisas que eu comprei por nenhuma razão aparente, só para me sentir menos revoltada com a vida, mesmo sabendo que a fatura do cartão no mês que vem vai ser uma foda mal dada, tentando equilibrar a sensação de querer matar todo mundo até descer pra mim, quando, óbvio, dou de cara com ele. O puto estava de tênis claro, calça jeans clara que eu dei pra ele e uma camisa branca jogada no corpo, do jeito que eu amo de paixão, com aquela cara alegre, como se ele fosse o único filho-da-puta feliz no mundo.

-Ei! Nossa, tudo bom? - pergunta ele, em genuíno espanto, abrindo aquele sorriso torto dele, iluminando tudo num raio de três metros. Que ódio. Eu queria largar as sacolas e colocar minha língua na boca daquele maldito.

-Oi! Que surpresa. Tudo bem? - respondi sorrindo - O que anda fazendo de bom?

-Nada de novidade. Trabalhando, pagando o aluguel, saindo muito pouco. Curtindo mais ficar em casa.

Maldito. Ele fala isso só pra me fazer me sentir uma vagabunda por ter arrumado um outro namorado três meses depois de a gente ter se separado. Mas o que ele queria que eu fizesse? Ficasse sozinha? Claro que não vou fazer a vontade dele. A última coisa que eu precisava era que ele arrumasse uma piranhazinha qualquer e eu fosse obrigada a ver os dois de carinho pra lá, beijinho pra cá.

-Ah, imagino. Eu também. As coisas estão muito bacanas. Fui promovida. E... enfim. Está tudo bem.

-Que gostoso. Fico feliz em saber que você está bem. E pelo visto ganhando bem também - e ele dá uma risadinha deliciosa, como se estivesse me provocando. Ele sabe. É claro que ele sabe que eu compro coisas quando to me sentindo uma merda. Ele tem que saber. Apesar que se ele tiver o mesmo déficit de atenção que tinha antes é capaz que não saiba mesmo. Cacete, eu devia ter tido mais paciência. Não devia ter terminado com ele por besteira. Quer saber? Devia sim! Eu mereço um cara que me dê atenção full-time. Ele só podia ser menos charmoso nessa simplicidade arrogante, que ódio. Por que ele sorri desse jeito e trata a vida como se fosse uma brincadeira? Não. Eu preciso de um homem, sério, que me leve a sério, que queira crescer junto comigo, não um garoto super engraçado e charmoso e que cada vez que sorri eu quero morrer no colo dele.

-Sim, he he he. - dou uma risada sem graça, enquanto sinto meu coração querer vazar pela boca. - Vamos inclusive viajar para a Califórnia em outubro.

-Ah, que bacana. Eu quero muito conhecer a Califórnia, você lembra. Pena que não sou eu do seu lado. Mas, é a vida. Tenho certeza que vocês vão se divertir bastante.

E por que raios ele sorri? Ele tinha que estar todo meloso, pedindo desculpas! Não falando que queria que eu me divertisse! Saco! Por que diabos ele é tão complacente!? Por que diabos ele não me agarra pela cintura, me beija daquele jeito e briga por mim?! Tá vendo por que eu me separei dele? Ele não luta pelo que ele quer! E fica insinuando que queria estar comigo mas a primeira surtadinha que eu dou ele é complacente? Poxa, dá na minha cara e manda eu parar quieta! Quer saber? Se eu estou com outro cara, mesmo que não seja metade dele, é por que ELE deixou que eu fosse. É por que ele não soube me manter. Estou bem. Posso não estar acordando todo dia com esse sorriso maldito mas estou bem. É a vida mesmo, seu infeliz.

-Eu lembro sim. Mas não se preocupe, você vai um dia com alguém especial.

-Eu não me preocupo, pode ter certeza. Mas não tenho pressa. Afinal, ainda preciso conhecer essa pessoa especial.

Ahhhh, você está de brincadeira comigo que ele vem falar que "ainda precisa conhecer essa pessoa"! E eu então não fui especial na sua vida, cretino? É isso que ele tá insinuando? Não é a toa. Quer saber? Melhor decisão da minha vida terminar com ele. Eu falo que ele ainda vai conhecer alguém especial e ele me fala algo diferente de "você é minha pessoa especial" ele merece ficar sozinho mesmo. Solteiro. Saindo com qualquer vagabunda de fim de semana só pra não ficar mofando em casa. Quer saber? Chega.

-Espero que você esteja bem mesmo, Caco. Mas eu tenho que ir agora. Atrasadérrima.

-Ok, foi bom te ver. Bom saber que você está bem. Beijo.

Impossível. Ninguém pode ser tão apático. Eu chamo ele pelo nome carinhoso que eu chamava e ele não esboça nenhuma reação? Que diabo é esse? É isso mesmo! Fiz certo em terminar com ele. Falo que estou atrasada e ele não vem com nenhuma desculpa para tentar me manter alí, percebem? Ele não saca as coisas que eu quero. Nunca sacou. Ou talvez ele saiba que eu esteja indo para casa ficar sozinha esperando paciente o outro infeliz chegar com aquela cara de "nossa, trabalhei demais hoje". Não. Ele não sabe. Ele não é para mim. Ele se foi e passado é passado. A única coisa que realmente me incomoda, que me tira do sério é essa vontade de chorar que eu não sei da onde veio.

Written by: Verônica Prata

sexta-feira, maio 14, 2010


Observar é bom.

Observo o mundo passar. As pessoas viverem ao meu redor. As rotinas, os trabalhos, os romances, a vida em si. Tudo encaixado num padrão civilizado, construído há tanto tempo. Observo o normal. Ainda assim, tenho a sensação, o alucínio, talvez, de que algo está errado. Na minha cabeça não faz sentido esta normalidade, esta aceitação de que tudo está OK. Basta ligar a televisão, ouvir o rádio, abrir o jornal, dar bom dia para um desconhecido que eu percebo isto. Algo está errado. Algo que eu não sei o que é. Algo que vive por trás do olhar inocente da sociedade moderna. Uma corrupção latente. Uma raiva incógnita no fundo da respiração. Como se todos ignorassem por completo o fato estampado de que o mundo não é legal. De que as pessoas não são decentes. Vejo isso todo dia. Em todo mundo. Pessoas ignorantes ao mal que elas mesmas criaram, que elas mesmas ignoram. Meu sangue ferve com o mesmo ódio impuro quando vejo o quão estúpidas as pessoas são, o quanto elas sorvem com gosto o mal que as cercam e fingem que está tudo bem, que isso é normal. As piadas sobre padres pedófilos, os desejos de tortura para com o estuprador, a sede de vingança do injustiçado, a vontade pervertida do tímido, o olhar de desespero da dona de casa. Mas não precisa se preocupar. Isso é normal.

Normal é bom.

Ninguém quer ser isolado. Todos precisam pertencer a um grupo. Lamber as etiquetas. Ser diferente para ser igual. Para ter o assunto, para ter a mulher, para ter amigos, para ter vontade. Para ter vida, ser normal é a única coisa necessária, mesmo que isso destrua cada pedaço de quem você é de verdade: este serzinho egoísta e imundo criado pela máquina humana. Este torcedor fanático que desde um ano de idade já foi travestido de palhaço pelo pai, este empregado mediano que vendeu os sonhos por dinheiro, este amante meia-boca que não suporta a esposa mas morre de medo de definhar sozinho num quarto bege de hospital, esta pessoa imbecil refletida no espelho embaçado do banheiro. Você não presta e você sabe disso. Você mente para si mesmo todo santo dia quando levanta de manhã usando a desculpa porca que é isso que todo mundo faz. Sabendo que seus valores e códigos morais iriam para a casa do caralho se você passasse fome, se ameaçassem sua cria, se te acuassem num canto escuro. Você mente, mas não precisa se preocupar. Todo mundo mente.

Mentir é bom.

Você não pode dizer para as pessoas o que realmente pensa delas se quiser continuar vivendo em grupo, afinal. Todo mundo mente. Mentir é sociável. Assim como cobiçar a mulher do próximo, roubar, matar e se divertir com violência na televisão. Alugar secretamente aquele filme de fetiche onde a garota apanha, sofre e é humilhada para o bel prazer de três caras fingindo serem sádicos. Satisfazer sua curiosidade mórbida sem assumir para o mundo que a única diferença entre você e um certo Josef Mengele é que ele foi pago para experimentar. Fingir fechar os olhos ao assistir na internet o vídeo daquele piloto se estraçalhando num acidente de carro. O soldado ter a cabeça decepada por uma facção islâmica. A pop-star mexendo a bunda na frente da câmera e dizer que ela é gorda para mascarar sua vontade incoerente de foder cada centímetro dela. Tentando esquecer todas as vezes que você pensou em fazer algo que sua cabecinha doente queria, mas foi negada simplesmente por imaginar as consequências. Medo do que ia acontecer com você, não honra ou amor pelo alheio. Medo. Medo do que o resto dessa espécie falha faria com o indivíduo diferente. Cuspir no olho social não é bom, mas certamente é necessário. Então vamos lá. Vamos matar alguém, vamos destruir algo lindo, vamos ceder abertamente à luxúria. Deixar a vida mais interessante. E eu não vou contar para ninguém, não precisa se preocupar. Afinal, eu sou um de vocês hipócritas.

Hipocrisia é bom.