quinta-feira, outubro 19, 2006

Nada como uma mancha no histórico de um homem exemplar para tornar uma vida praticamente usual em uma estória memorável. Thomas Antonelli. O Tommy. Irmão caçula de um dos maiores chefes mafiosos que a cidade já teve notícia. Estudou no exterior, aprendeu a melhor educação e etiqueta que o dinheiro pode comprar, habilidoso com armas brancas e cirurgicamente preciso com armas de fogo. O braço direito do irmão. O assassino mais letal de todas as famílias. Um homem de respeito e reputação imaculados. Até ontem.

Tommy conheceu Angie em uma cafeteria, às seis horas da manhã, antes de antender a um chamado da família. Conversaram trivialmente, mas tal trivialidade foi suficiente para a garota encanta-lo com seu charme feminino, sua aparência impecável e seu bom humor jovial. Saíram poucas vezes juntos depois disso até perceberem que não mais conseguiriam viver sem o outro. Uma paixão incompreensível nasceu entre eles, que por cerca de dois anos e meio namoraram às escondidas e noivaram por mais seis meses. Ela sabia da profissão de seu amor e isso a excitava. Ele sabia que ela não poderia ser descoberta por ninguém, pois ela guardava um segredo que poderia desonrar a família Antonelli e ruir as fundações de sua reputação. O relacionamento deles foi ardente, quase beirando a surrealidade. O segredo da belíssima garota de cabelos vermelhos foi guardado por todo este tempo em que o amor de um pelo outro tangenciava os limites da razão. Até ontem.

Tommy entrou na maravilhosamente decorada sala de reuniões da família e deparou com todos os membros do conselho sentados à mesa. Severos eram seus semblantes. Seu irmão, na ponta oposta da mesa, rangia os dentes e segurava uma pasta de arquivo com força entre os punhos. O que está havendo? Antes que ele pudesse terminar a frase seu irmão jogou a pasta em sua direção. Ele a abriu e o suor gélido escorreu brilhante por seu rosto ao ver diversas fotos de sua amada e documentos sobre a vida dela, organizados dentro da pasta. O que você fez, Tommy? Como você pôde nos decepcionar desta forma? A voz de seu irmão era ríspida e trêmula. Um informante dos Cipriani nos enviou esta pasta ontem. Onde você estava ontem Thomas? Mas Tommy não respondeu. Fechou a pasta e engoliu seco. Ergueu os olhos vagarosamente e encarou o chefe dos Antonelli nos olhos, murmurando o desespero que lhe acometeu. O que vocês pretendem fazer? Batendo as mãos na mesa, seu irmão se descontrolou e ergueu-se da cadeira, gritando raivoso. Não pretendo fazer nada! Eu já fiz! Esse relacionamento, esse absurdo tem que acabar! Eu fiz o que devia ser feito!! Tommy sabia como seu irmão agia. Soube então que a essa altura, ela estava, provavelmente, sem vida. O desespero desapareceu. Suas mãos trêmulas ficaram firmes como aço. O par de pistolas 9mm que ele carregava no interior do casaco foi sacado. E as pistolas gritaram uníssonas, expressando todo ódio de um assassino apaixonado. Dezessete balas por arma. Trinta e quatro disparos. Nenhum errou o alvo. Em menos de vinte segundos, todos os doze membros do conselho da família Antonelli jaziam ensanguentados no chão e Tommy corria para seu carro.

Ela não pode estar morta. Ela não pode estar morta. E ele repetiu isso diversas vezes no caminho para o apartamento dela. Subiu as escadas em velocidade, saltando desesperado degraus a cima. Disparou pelo corredor em direção à porta de entrada e viu esta entreaberta. Não! Abrindo a porta ferozmente com uma ombrada, Tommy pôde escutar o ensurdecedor barulho de seu coração estilhaçando em incontáveis pedaços, ao vê-la jogada no chão, com suas roupas entumecidas em seu próprio sangue. O assassino gritou, mas nenhum som foi liberto. Cambaleou até ela e tomou-a nos braços, misturando suas lágrimas ao sangue ainda quente, que escorria do buraco aberto à bala no peito de sua noiva. Angie... Murmurou seu nome, tocou-lhe o rosto, acariciou-lhe os cabelos. Pegou uma de suas armas repentinamente, apoiando-a em sua própria têmpora. O estalo seco indicou a ele que a arma estava vazia. A sombra de um homem caiu sobre suas costas. Tommy se pos a chorar e se perdeu em pensamentos. Será verdade que tudo que é maravilhoso é proibido? Existe razão para amar? A honra é mais importante que a paixão verdadeira? A arma do matador suspirou silenciosa. Tommy sentiu seu crânio sendo violentamente penetrado pelo projétil e abraçou uma última vez seu grande amor, caindo inerte sobre seu corpo.

Eles iriam se casar amanhã de manhã, celebrando os 18 anos de vida dela.


segunda-feira, outubro 02, 2006

Meu nome é Rogério e eu vou morrer.

O mais engraçado é que eu sei disso. Por isso parei de tentar fazer o paraquedas abrir. Quando se puxa a corda e ele não abre, se tenta puxar o reserva. Se esse não abre também, vem o pânico. Não para mim. Quando nada funcionou depois de horas de check-up e manutenção e uma última verificação você tem certeza que você e o chão vão se encontrar em breve. Podia pelo menos ser especial, sabe? Esse é meu sexagésimo terceiro salto. Não é nem um número redondo, nem cabalístico, nem significativo e não chega nem de muito longe ao recorde de 36.000 saltos de Don Kellner. E caindo de 50.000 pés, nem a metade do recorde de 102.800 daquele capitão da força aérea americana. Eu vou morrer de uma forma patética! E não posso falar nada para ninguém antes disso.

É pior do que descobrir que se tem câncer terminal. Pois mais hardcore que seja a porra do tumor, você pode sair dalí e ir se divertir uma última vez. Gastar todo seu dinheiro, conseguir um último beijo na boca, jogar uma última partida, fumar um maço de cigarros. Não assim. É como se Deus tivesse posto uma arma na minha cabeça e falasse: "Reza, filho, reza agora." Eu tenho mais uns dois minutos pra repensar a vida antes de virar amendocrem no asfalto. Mas o que eu acho mais ridículo é não ter ninguém por perto. Nem um outro paraquedista do lado para agarrar, nem um celular para ligar para alguém e dizer "agora, fodeu.", nem se eu fosse gay eu poderia, num último minuto de glória, gritar para todo mundo ouvir a verdade absoluta e sair do armário em grande estilo, explodindo em purpurina rosa quando acertasse a superfície do planeta. Ou ainda descobrir que eu sou um super-herói e pairar antes do impacto. Ou por algum milagre natural um lago se abrisse sob mim. Poderia pelo menos cair sobre uma passeata do presidente e ver se eu acertava o desgraçado. hahaha. Não tenho nada. Mulher, filhos ou mesmo um cachorro pra sentir minha falta.

Talvez seja melhor mesmo, sabia? Talvez essa seja uma maneira delicada de ser chamado para o além vida. Ah! Na boa, poderia ter morrido dormindo. Daí sim seria delicado. Não esparramado no asfalto. Na velocidade que eu vou bater vão me tirar da estrada com um rodo. Mas sinceramente estou em paz. Meio puto com tudo isso mas em paz. Abro meus braços agora para meus últimos dez segundos de vida no planeta. Agradeço a todos pela atenção e pelas coisas que eu tive, pelos amores que eu vivi e por aquele monte de coisa que a gente não lembra de bate-pronto mas que são importantes de se dizer antes de morrer. Eu nunca plantei uma árvore, nunca tive um filho nem escrevi um livro. Vou virar "o cara que morreu ontem. Semana passada. Ano passado. E daí viro estatística.". Foda-se. Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, venh!!