quinta-feira, agosto 03, 2006

Depois que eu cheguei nos trinta comecei a receber vários conselhos subliminares de que eu já devia ter casado, ter tido filhos, ter tomado jeito na vida e encarar a minha idade. Cacete, por quê? Por quê raios eu precisava me encaixar no padrão social? Eu ainda gostava muito de cair na balada durante a semana, acordar cabeçudo para ir trabalhar no dia seguinte, jogar videogame até de madrugada, berrar com a minha voz esganiçada uma música bacana dentro do carro, dissecar cultura pop com os amigos e, resumindo, fazer o que eu gostava de fazer. Mas às vezes até pensava em "crescer", virar "adulto". Tanto que quando minha irmã me pediu para levar o filho dela e uns amigos do garoto para uma matinê numa baladinha eu topei na hora. Porra, já não via o garoto há quase um ano! Quis ser um tio legal e levar a turma pra balada! Pelo menos eles não tão indo assistir um filme da Estupixuxa. Apesar de que eles tão com treze ou quatorze anos, acho que não tem mais idade pra isso. Não! Acho que tão com quinze e poucos. Bom, enfim, num sabadão fui pegar o povo na casa da minhã irmã.

Parei o carro, businei e a porta da casa abriu. Daí começou o freak show. O primeiro a sair foi um serzinho bizarro, de um metro e meio de altura, usando uma camisa xadrez na cintura, uma camisa laranja coberta com outra camisa xadrez, tênis de cano alto e calça jeans, loirinho que nem canário e de olhos claros, portanto uma cara de idiota tão tamanha que o Mike Meyers ficaria com inveja. Daí me sai uma menina toda delicadinha, sorridente, bonitinha, que a seis passos do meu carro dá uma arrotada de fazer vibrar o para-brisa e depois ri com eles que nem a Hello Kitty, toda meiguinha. Finalmente sai a porra do meu sobrinho, usando uma calça jeans preta, sapato, moleton escuro e um corte de cabelo ridiculo, com uma mega franja caindo no meio da cara. Todos eles super educados, entraram no carro dando oi, boa tarde e o "e aí tio?" básico. Quero dizer, todos eles vírgula, pois o lorinho falou palavras incompreensíveis mas me soaram como um oi. Saí com o carro e no começo do trajeto já fiquei sabendo que o Lars era um aluno de intercâmbio da Ucrânia e não falava portugUês. Claro que eu me perguntei do que cacete o moleque era aluno se ele não entendia porra nenhuma em português. Mas daí meu sobrinho já disse que ele era grunge e era muito legal. Ok, é legal ser grunge de novo então. Bom saber. Quis então ser descolado e perguntei em inglês pro tal Lars se ele preferia alguma outra banda de Seattle tipo Soundgarden, Alice in Chains ou caia mais pro Pixies clássico. O moleque não disse nada. Aparentemente também não falava inglês, mas meu sobrinho já foi falando que ele não gostava dessas coisas não. Curtia mais um Smiths e adorava Tori Amos. Retruquei como qualquer outra pessoa sensata: "Mas então como caralho ele é grunge?" e recebi um "Uai? Ele é grunge, ponto.". Resolvi não continuar senão ia dar briga. Já sabia que o caminho ia ser longo. Então, para quebrar o silêncio desconfortável que foi criado com minha cara pensativa de "nossa-que-moleque-imbecil", meu sobrinho começou a tornar minha vida miserável.

-Ah! Tio, não te contei, arrumei uns amigos legais e vou virar eno.
-Virar o quê!? Cê vai virar sal-de-fruta? Que porra é essa?
-Não! Virar eno, curtir umas bandas atuais, sons melódicos. Você que gosta de música devia saber! O Lars é grunge, a Melinda é lésbica e eu vou ser eno.
-Ok, primeiro, você quer ser EMO, termo abreviado do Emotional Hardcore, atrelado às bandas do círculo punk de Washington que curtem um lirismo mais emocional que o padrão. Eno = sal-de-fruta. Emo = Emotional Hardcore. Segundo, o Lars não é grunge. Ele é um Ucraniano estranho que gosta de se vestir de xadrez. Terceiro, o que raios tem a ver ser lésbica com vocês dois serem de tribos musicais?? Ou vai dizer que ela é lésbica por gostar de meninas de banda? Ela é fã do L7 agora?
-A questão é ser de uma galera bacana. - respondeu a garota, claramente aborrecida com minha pergunta, cruzando os braços e falando virada para a janela. - Melhor que ficar sozinho jogando videogame! Cai vida, fala sério.
-Vai ser bacana ser emo né? - interviu meu sobrinho, antes que eu espinafrasse a fióta. Menina atrevida. Como diz um amigo meu: Eu não preciso cair na vida, eu jogo, eu tenho um monte de vidas! Mas fiz de conta que não foi comigo para não causar polêmica.
-Depende, você vai virar emo porque gosta de Simple Plan, My Chemical Romance, Taking Back Sunday e outras do mundinho underground ou porque quer ficar junto com um bando de moleque andrógino, na esquina de algum buteco, tomando vinho chapinha e falando asneira até ser vassourado pelo dono do bar pra uma outra esquina imunda qualquer?
-Nem curto muito música, o legal é o pessoal. - feriu-me os ouvidos mas eu já esperava.
-Fala sério, Rogério, não acredito que quando eu acho que você vai virar alguém com integridade mental você me dá uma dessa e se entrega de corpo e alma e cabelo pra mídia de massa, pra cultura ultracapitalista, que te transforma num robô que faz, usa e pensa como e o quê eles querem.
-Tem que ser da moda agora, né? - interviu a garota - E chama ele de Róger. E pelo menos ele faz coisas condizentes com a idade que tem.
-Rogério... - Respirei fundo e engoli seco pra não mandar a sapatinha tomar no cu e continuei a falar com ele. - ...você tem que ser você mesmo, cara! Faça o que VOCÊ acha bacana! Não se deixe levar pelas idéias alheias!!
Nisso o ucraniano me solta uma frase ininteligível e os três caem na gargalhada. Claro, me senti um imbecil.
-Fala sério que você entendeu? - perguntei pro Rogério - Desde quando você fala ucraniano?
-Não foi nada. Esquece. - Disse meu sobrinho afetado. - O Lars ta só brincando.
-Ok Han, para com a palhaçada, me traduz o que o Chewbacca falou ou vou ficar bem puto.
-Calma tio! - disse a porra da menina - Desencana! É brincadeira nossa. Dirige com calma ou a gente não chega.
-ô velcrinho, - perdi a paciência, ninguém dá pitaco como eu dirijo. - pega leve que a conversa não chegou na passeata. To conversando com meu sobrinho pois eu não quero ver ele virar uma bicha doida sem cérebro que acha que ser maníaco-depressivo dá barato. Então, por favor, com toda a educação que mamãe me deu, calaboca.
-Nossa, puta educação tua mãe te deu, hein? - inacreditavelmente, sim, ela respondeu isso. Quando eu tava pronto para soltar um "Tudo isso é falta de rôla??!" o infeliz do "emo-wannabe" do meu lado grita:
-E eu já beijei um menino!! - tenho certeza que foi exatamente nessa hora que eu desenvolvi minha atual condição cardíaca.
-Oi? - olhei pra ele com as sombrancelhas mais em pé que gato assustado. - Como assim? No rosto? - ele ficou sem graça, virou o rosto pra janela, o Estranho-no-Ninho criado pela avó falou algo surreal, a menina emendou um "Na boca né, tapado?!", eu tomei uma fechada, joguei o carro pro lado, rasguei o pneu num buraco, ralei as rodas na guia e estacionei vinte metros pra frente suando frio.

-Olha! Chegamos! Valeu! - e desceu do carro num piscar de olhos, seguido pela garota que desceu dizendo "Valeu coroa!" toda sorridente e pelo tipinho loiro que falou algo parecido com "Irrtizamaktajuvabelhiondernis.". Os três se reuníram com mais umas quinze outras aberrações da fauna urbana e entraram na boate. Eu, troquei o pneu, acendi um cigarro e depois que a hostess do lugar me perguntou que horas eram, eu perguntei que horas ela saía.

Casei com ela faz dois anos. Assinei meu divórcio faz dois meses. Jogo videogame até hoje.


5 comentários:

Anônimo disse...

COnheci uns manos assim... Andava com camisa do Iron Maiden, era cabeludo e em casa tinha CD do MC Hammer e do Kriss Kross...

Can´t touch this...

Anônimo disse...

Hahah excelente! E o triste: a vida é mesmo assim. :P

Ana Raquel a.k.a Alalas disse...

seu emo, emo, emo dialise. vc eh muito mais tosco que eu. nem tentando eu chego lah...

Anônimo disse...

HUahUAhUAHuHAuHAuHAuHUA
o máximo...

Lady disse...
Este comentário foi removido pelo autor.